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Juruna e Rio Xingu, vidas ameaçadas

Quarta-feira, 27 de Setembro de 2017

 
     

Canoada expõe impactos de empreendimentos na Volta Grande do Xingu – Segunda parte

  

Moradores das aldeias, os indígenas monitoram de perto a vazão e a resistência de peixes como o Acari, um peixe ornamental, e o Tucunaré, tradicional na alimentação Juruna, cuja segurança e soberania eles tentam manter

  

Biodiversidade afogada


Por Adriane Bertoglio Rodrigues - especial para a EcoAgência

Desde 2003, o ISA e os Juruna, em parceria com a UFPA, monitoram, de forma independente, os impactos de Belo Monte sobre a pesca e a fauna aquática da região. O aumento da luminosidade, a mudança da turbidez da água e o preço dos peixes vendidos e consumidos pelos povos ribeirinhos ou beiradeiros são alguns dos impactos criticados pelos pesquisadores, inclusive pelos que participaram da Canoada Xingu, e puderam conferir de perto esses danos socioambientais na região.

“Identificamos mudanças no hábito que comprometem a segurança alimentar dos Juruna”, anuncia Cristiane, ao avaliar o resultado de quatro anos de monitoramento da quantidade de peixes consumidos pelos indígenas antes e após o barramento. “Antes da barragem, o peixe era responsável por 60% do alimento nas aldeias. Após, mudou drasticamente, até porque eles passaram a consumir produtos industrializados, comprados na cidade, aumentando os custos e provocando doenças, como colesterol alto e diabetes”, lamenta Cristiane.

 

Não apenas os indígenas adoeceram, mas peixes como o Pacu, que se alimenta nas florestas, estão magros, cegos e debilitados, assim como os ornamentais Acaris, principal fonte de economia das aldeias.

 

“Não consigo nos imaginar sem o rio”, diz Bel Juruna, que tem quatro filhos. Ela cursa Letras em Altamira, distante 80 kms da aldeia Muratu, onde vive com a família. Com 30 anos, Bel diz que sua mãe “via futuro para nós, mas eu, com esses empreendimentos que estão chegando, não vejo bom futuro, pois sei dos problemas que estou levando para dentro de casa ao consumir produtos industrializados”.

 

Para complementar a alimentação dos Juruna, Bel diz que serão instaladas pequenas roças e criadas galinhas caipiras, “sem hormônio, porque é mais saudável”, defende, ao falar da expectativa de garantir a saúde de seu povo. 

 

Yunjá e o resgaste da cultura Juruna 

Alimentação, hábitos e costumes. Os indígenas Arewana e Yanuwaka Yunjá, da etnia Juruna que vive no Parque do Xingu, no Mato Grosso, acompanharam a Canoada  Xingu pela primeira vez para conhecer as condições de vida dos irmãos do Pará.

 

Are, com 22 anos, avalia como positiva a iniciativa, mas lamenta que o rio e a floresta estejam morrendo por causa da barragem de Belo Monte. “É muito triste a vida deles aqui. Quando voltar pra minha terra vou contar tudo que senti na terra de nossos avós, principalmente da cachoeira de Jericoá. Vou falar pra eles virem conhecer melhor e para lutarmos juntos com o povo daqui para ajudar a melhorar a vida desses nossos irmãos”, diz Até, que todas as manhãs da Canoada Xingu, nos acampamentos, tocou Awã-pãre com sua flauta, dando as boas-vindas ao dia e desejando boas energias a todos.

 

No Mato Grosso, Are a Yanu repassam conhecimentos da cultura para quatro jovens Juruna do Pará, sendo duas filhas do cacique Giliard (36) e sua esposa Sílvia Carolina (32). Anita (Yakawizlu), 16 anos, e Tarukawa, ou Brancona, de 12 anos, estão há seis meses na aldeia dos Yunjá, no Mato Grosso, para estudar a língua materna. “A iniciativa partiu delas, apenas apoiei”, diz Sílvia, que tem outros dois filhos, que estudam na aldeia. Para Anita, a filha mais velha do cacique, que também dança e canta, “o povo de lá é maravilhoso e está sempre disposto a ensinar”, avalia. Quando voltar a sua terra no Pará, diz que quer ser professora e ensinar para seu povo a história, os cantos e os rituais. 

 

Alimento vivo 

A cozinha itinerante, montada a cada ponto de parada da expedição, foi elogiada por todos os integrantes, que se mantiveram bem alimentados e com energia e vigor para as remadas. A qualidade dos alimentos foi destacada por Jailson Juruna, o Caboclo, ao falar sobre a importância de se manter uma alimentação equilibrada para o melhor desempenho dos canoeiros, a maioria participante desde a primeira Canoada Xingu. Caboclo foi o cinegrafista Juruna da Canoada e em breve fará curso de edição de vídeos, para fortalecer a divulgação da cultura e das condições de vida de seu povo.

 

Já sobre a “cozinha do Sol”, como é intitulada, pela coordenadora, a cozinha itinerante da expedição, Denise Rodrigues, a alimentação para a expedição é baseada na alimentação local e nos costumes dos indígenas e beiradeiros ou ribeirinhos, ou seja, com muito peixe e mandioca. “Para a nutrição dos remadores, oferecemos uma alimentação viva e inteligente, com vitaminas e nutrientes que vitalizam o corpo, deixando-o mais leve”, defende Denise.

 

Natural de Holambra (SP), Denise é proprietária de um restaurante natural em Altamira e coordena a cozinha itinerante desde a primeira edição da Canoada. Ela conta com o apoio de quatro mulheres e dois jovens indígenas da terra Muratu, que ajudam a montar a estrutura e a elaborar pratos como tapioca, galinha ou pato no tucupi, um tempero a partir da fermentação da mandioca, além de peixes assados, como o tucunaré, pacu, piranha, curumaté e o surubim ou fidalgo.

 

“Na elaboração das refeições promovemos uma reeducação alimentar, a partir de uma alimentação viva e crua, com o uso de sementes e alimentos enzimáticos, como grão de bico, linhaça, feijão e arroz”, cita Denise, ao ressaltar que “quanto mais cru, melhor, e quanto menor a manipulação, maior a durabilidade e a energia vital o alimento vai proporcionar para o corpo”, e conclui refletindo que “a verdade do alimento é a energia que transforma e contamina”. 

 

Turismo e arte 

Muito ativos, os Juruna não se deixam abater por todas essas alterações que Belo Monte provoca em sua rotina e demonstram, na remada e em seus cantos e danças, muita força e resistência em seguir lutando pela preservação da qualidade e das condições de vida que eles tinham antes da usina.

 

Nesta 4ª Canoada, a novidade foi a trilha de seis quilômetros na Floresta, partindo da aldeia Muratu, e a atividade de mergulho para observação de peixes, já que os Juruna, exímios pescadores, coletam peixes ornamentais para vender e melhorar a renda das famílias. Os participantes também conheceram a Casa do Artesanato e adquiriram colares, pulseiras, bolsas e objetos da cultura Juruna.

 

A exuberância da floresta é o destaque da trilha, que apresenta cipós, orquídeas e diversas muitas flores, samambaias, fungos e tocas de animais como o catitu, o porco do mato, estão entre árvores como Imbaúba, tucum bravo, castanha do Pará, babaçu e jatobá.

 

Na trilha selvagem, seu Agustinho Pereira da Silva Juruna mostra com destreza a experiência em retirar o látex das seringueiras e ressalta a importância de respeitar a natureza e o ciclo natural das árvores. Com dez filhos, sendo o menor com 13 anos, 30 netos e três bisnetos, Agustinho diz com orgulho ser pai do cacique Giliard, 36 anos e cacique há oito anos.

 

Ao final da 4ª Canoada Xingu, o cacique avalia que a expedição foi muito boa, “deu tudo certo”. Para Giliard, “o pessoal de fora traz muita esperança para conseguir mais projetos e tornar o povo cada vez mais fortalecido”, observa, ao afirmar que “com certeza as vitórias virão para manter a qualidade de vida dos Juruna”, e salienta que “enquanto estivermos vivos, vamos continuar lutando”. 

 

Em defesa da Amazônia

A crueldade e a destruição causadas por Belo Monte vão além do Rio e da Floresta e são criticadas por Antônia Melo, do Movimento Xingu Vivo para Sempre, que participou do encontro de largada da Canoada.

 

Contrária a esse modelo de desenvolvimento predador, Antônia destaca que “trabalhamos pela aliança desses rios”, lamentando que somente no Rio Tapajós mais de 100 barragens estão projetadas em terras indígenas, cujos povos começam a ser cooptados, e alertou: “somos mulheres guerreiras, prontas para enfrentar essa luta contra a destruição”, afirma.

 

Antônia denuncia que as casas dos ribeirinhos estão ruindo e apresentando rachaduras, “e a Defensoria Pública tem montanhas de processos de pessoas não indenizadas”, alerta. A militante também critica que a infância e a juventude do município ficaram fora das políticas públicas, sem perspectivas e sem trabalho, o que resultou em evasão escolar, prostituição, abuso sexual, drogas e violência, tornando Altamina o município mais violento do Brasil.

 

“Belo Monte adoeceu as mulheres, que estão com depressão, pressão alta e sem atendimento psicológico. Pagamos a energia mais cara do país. É revoltante e injusto esse modelo predador que destrói a Amazônia”, exclama Antônia, ao lamentar que a maior bacia de água doce do mundo esteja contaminada e destruída. 

 

Vibrações que se propagam

“A Canoada segue o fluxo e reverbera”, avalia Marcelo Salazar, engenheiro de produção, há dez anos no ISA e coordenador adjunto do Programa Xingu que se chora, da Terra do Meio. Ele conta que a ideia da expedição surgiu em 2011 para ser como um ritual de despedida do Rio Xingu, que não seria mais o mesmo depois de Belo Monte.

 

“De romaria fluvial, a ideia evoluiu para a Canoada e realizamos a primeira em 2014, com o título Xingu”, recorda, ao destacar ser uma construção conjunta com os Juruna, tradicionais canoeiros, “mas desanimados pela barragem, querendo explorar outras possibilidades”, observa Marcelo, ao classificar a Canoada como uma “injeção de ânimo e energia” aos indígenas.

 

Hoje, a partir da 4ª Canoada, são discutidos possíveis roteiros turísticos, o apoio à formação de guias de aventura, oferecendo roteiro de trilha na mata e mergulho, abordando o que os Juruna conhecem, “uma cultura em fluxo e que há mais de 100 anos tem contato com a sociedade, misturando a cultura ancestral com técnica e símbolos Yunjá”, analisa.

 

Para Marcelo, a Canoada é uma atividade complexa, que envolve cozinha itinerante, banheiros, canoeiros, pessoal de apoio, e que deve prosseguir em novas edições. Ele também destaca a sensibilização provocada pela experiência e pelo conhecimento e contato com os indígenas, conhecendo a realidade e as condições de vida que empreendimentos como Belo Monte podem ocasionar nas comunidades, e conclui que, “se temos alguma possibilidade de futuro, está com os povos originários”. 

 

Canoada Xingu e o dia a dia 

1º dia: Saída às 5h30 para remada de 40 kms, durante 10 horas, pelo lago da Usina de Belo Monte até a transposição para o rio, já na região Volta Grande do Xingu. O lago da usina é largo, com ondas, sendo considerado o trecho mais perigoso deste evento, pois há muitos galhos e árvores mortas e alagadas no percurso. Pernoite numa praia para acompanhar o nascer da Lua Cheia e do Sol.

 

2º dia: Remada de 30 kms até a Terra Indígena Muratu. Mata mais fechada, corredeiras, pedras e desvios para fazer.

 

3º dia: Dia de conhecer a Casa do Artesanato na Muratu e participar de atividades como percorrer trilha de 6 kms e, paralelo, mergulho para observação de peixes, inclusive ornamentais

 

4º dia: Remada de 30 kms. Corredeiras, pedras, floresta e labirinto para usar as últimas forças, empurrando as canoas sobre toras até a praia do outro lado das rochas. Remada até a Cachoeira do Jericoá, onde no fim de tarde instalamos o último acampamento.

 

5º dia: Cachoeira do Jericoá, remada de 10 kms e retorno pela Transamazônica, percorrendo 80 kms de estrada, passando pela Ponte do Canal de Derivação, que possui 20 kms, uma conquista obtida pelos Juruna, que invadiram a sede da Norte Energia para reivindicar essa ligação da aldeia com a cidade de Altamira. “Todos os direitos foram conquistados com luta”, afirma o cacique Giliard, ao falar sobre essa ponte. 

 

Leia também: 

Canoada expõe impactos de empreendimentos na Volta Grande do Xingu – Primeira parte

 

EcoAgência

  
  
  
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