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Reportagem Especial

Segunda-feira, 31 de Julho de 2017

 
     

Vizinhos da Celulose Riograndense sofrem com mau cheiro, barulho e o medo de algo pior

  

 Denúncias começaram com a ampliação da indústria de Guaíba, mas os problemas ambientais continuam

  

EcoAgência    
Carolina, Cristiane, Saionara e Kátia, diretoras da associação de moradores, com a fábrica ao fundo


Por Ulisses Nenê - Especial para a EcoAgência

Ex-Borregaard, Riocell, Aracruz e Fibria, a Celulose Riograndense (CR), do grupo chileno CMPC, em Guaíba, teve a sua capacidade de produção quadruplicada, com a expansão concluída em 2015, de 450 mil toneladas/ano de celulose para 1,8 milhão de toneladas/ano.

Um crescimento e tanto, festejado na mídia pela sempre alardeada geração de empregos e aumento da arrecadação de impostos. Sua importância para a cidade é tamanha que a imagem de Guaíba, há muito tempo, não pode mais ser dissociada da fábrica, uma das maiores da América Latina no setor.

Fábrica de problemas

Mas para quem vive nas suas proximidades a história é outra. Para a vizinhança, a gigante do setor de celulose e papel virou também uma dor de cabeça, uma "fábrica de problemas", afirmam as lideranças da Associação dos Moradores do Balneário Alegria (ABA).

O bairro está localizado bem ao lado da CR, separado da unidade industrial apenas por uma rua, à esquerda de quem visualiza a CR de Porto Alegre. Segundo a direção da associação, esta é a única indústria do gênero no mundo em meio urbano. Todas as outras ficam a cinco quilômetros de distância das cidades, pelo menos, com um cinturão verde de um quilômetro no seu entorno.

Cristiane Simões, comerciária, presidente da ABA, e as diretoras Carolina Coutinho, professora, Saionara Montemezzo, técnica administrativa e Kátia Cardoso, também técnica administrativa, denunciam o cheiro forte de produtos químicos que provém da fábrica.

É um transtorno diário, que varia de intensidade conforme a força e direção dos ventos, dizem. A bem da verdade, durante a nossa conversa sentimos o cheiro mencionado por elas. A reação foi um pouco de náusea e irritação nos olhos, depois de cerca de meia hora no local.

A licença de operação da fábrica determina que não pode haver impacto ambiental fora dos seus limites, mas isso sempre ocorreu, ressalta Cristiane.

Efeitos a longo prazo

Segundo Carolina, trata-se do odor de enxofre reduzido, um composto que provoca ressecamento na garganta, no nariz, dor de cabeça e perda de apetite, entre outras reações: “E a longo prazo, como vai ser o efeito disso na saúde das pessoas, vamos ter mais casos de câncer?”, indaga Carolina. “Temos muitos bebês no bairro, como vai ser desenvolvimento dessas crianças?”, completa.

Elas reclamam que não há pesquisas de saúde sobre a situação específica dos moradores dos arredores da planta industrial. Pacientes em decorrência desses transtornos são encaminhados aos hospitais da Capital.

“Os gestores públicos de Guaíba não têm interesse de produzir esse mapeamento, por medo de que isso vá adiante (com desdobramentos contra a CR) e impacte na arrecadação de impostos”, acrescenta Cristiane.

 “‘Houve um pequeno vazamento’, é isso que nos dizem todos os dias, mas se tem vazamento constantemente é porque algo está muito errado”, afirma Kátia. Ao mau-cheiro somam-se ainda o barulho dos equipamentos, a fuligem, o pó de serragem e até mesmo trepidação.

Uma delas mostra no celular um vídeo noturno da sua casa, com as janelas trepidando. Por vezes, contam, acontece também uma “chuva” estranha que cai com uma substância branca que mancha os carros.

Medo de explosão

Neste ano, dia 10 de fevereiro, os moradores passaram por um enorme susto, por causa de um grande estrondo. Houve o rompimento de uma tubulação na fábrica, que fez acionarem a despressurização da caldeira, causando o barulho semelhante a uma explosão.

O barulho intenso persistiu por bastante tempo, parecia uma avião caindo, que a imensa caldeira ia explodir, contam. Moradores saíram assustados às ruas para ver o que era. Alguns embarcaram nos seus carros e fugiram do bairro.

Desde então, a fábrica funciona abaixo da sua capacidade até o conserto da caldeira, previsto para novembro, segundo souberam as dirigentes. Mas persiste o medo de que uma explosão ou um vazamento de produto químico provoque algo pior que os sintomas incômodos de até agora.

Neste meio tempo, já aconteceram, pelo menos, dois vazamentos de cloro no ar e alguns funcionários tiveram que receber atendimento médico por intoxicação, além de um vazamento de lixívia (um composto químico) no Guaíba. Também ocorreu um incêndio, que foi controlado e ninguém ficou ferido.

“Vivemos a menos de 200 metros de uma fábrica de cloro, de uma bomba química, com crianças em três escolas; estamos na iminência de um desastre e depois vão dizer que foi uma fatalidade, que ninguém avisou, é um absurdo”, afirma Kátia. “Nunca falamos em fechar a empresa, mas queremos providências, é angustiante isso estar acontecendo e não fazerem nada”, completa.

Denúncias antigas

Estas denúncias não são novas, iniciaram quase imediatamente após a fábrica ampliada ter começado a funcionar, em 2015. Seguidamente, os moradores acionam a fiscalização da Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam), que já autuou a CR nove vezes.

Um abaixo assinado com mais de 500 assinaturas da comunidade foi encaminhado ao Ministério Público de Guaíba, pedindo providências, e um inquérito civil está em andamento há mais de dois anos. Até um Termo de Conduta Ambiental (TCA) foi firmado com a empresa, mas os problemas persistem.

“Há mais de dois anos estão empurrando isso com a barriga”, protesta Cristiane, a presidente da ABA. A vida no bairro, dizem, virou um inferno: “Me sinto morando num chão de fábrica, extremamente perigosa, que nos causa transtornos 24 horas por dia, com medo e correndo risco de vida”, acrescenta Saionara.

Vida tranquila

Mesmo que a antiga fábrica fosse próxima, a vida ali era bastante tranquila e agradável antes da quadruplicação, relatam as moradoras do Balneário Alegria. O acesso ao centro era fácil, pela Rua São Geraldo, e havia um espaço de lazer usado pela comunidade no entorno, o Clube Recreativo Riocell.

A rua Gomes Jardim, que dá entrada ao bairro e faz divisa com  o terreno da empresa, era arborizada e tinha um comércio diversificado, com  farmácia, posto de gasolina, açougue, lojas, salão de beleza e pet shop.

Entre a fábrica e o bairro havia, inclusive, uma mata que funcionava como zona de amortecimento.  Agora, apenas a rua e um muro de sete metros de altura fazem a separação das casas com o parque industrial. As árvores desapareceram, todo o comércio que havia ali fechou. Para as compras do dia a dia as pessoas precisam ir longe, em outro bairro, e os imóveis se desvalorizaram.

A população mais próxima convive com a fuligem, o pó de serragem, o cheiro e o barulho alto diariamente. O comércio diminuiu e o clube foi demolido. A famosa praia do balneário, no rio Guaíba, está suja e parece abandonada.

A rua que sumiu

Uma das maiores reclamações contra a ampliação é em relação ao sumiço da rua São Geraldo. Ela era uma das mais antigas do Rio Grande do Sul, ligava a cidade à região sul do Estado e dava acesso ao centro de Guaíba. Porém, desapareceu do mapa: foi bloqueada e engolida pela expansão da fábrica.

A associação afirma que muitas mudanças, como o sumiço dessa rua e o picador de madeira, localizado quase junto ao bairro, não constavam das plantas originais que foram apresentadas aos moradores antes da ampliação.

De fato, numa cópia do projeto original que elas mostram há diferenças evidentes em relação à indústria atual. Por exemplo, no lugar do picador – uma estrutura gigantesca montada à céu aberto – consta apenas: “Subterrâneo”. Haviam dito que naquele local os equipamentos ficariam debaixo do chão. “Nos enganaram, mentiram para a gente”, afirma uma das diretoras.

Marco farroupilha isolado e sujo

Na praia do bairro há um marco histórico importante, feito de pedra, do local onde teve início a Revolução Farroupilha. Foi ali que um dos líderes revolucionários, Gomes Jardim, e 60 farrapos prepararam a invasão de Porto Alegre, dia 19 de setembro de 1835.

Mas o lugar está isolado, a fábrica avançou em direção à orla e praticamente cercou o marco, que está sujo e abandonado, junto ao Guaíba. Bem próximo, fica a entrada do atracadouro dos navios que chegam à empresa.

Privação do sono

Carolina mostra na sua casa o pó de cavaco da madeira triturada na fábrica que invade tudo. O puxador de metal do lado de fora porta de entrada, com cerca de meio metro, está todo corroído: “É o terceiro que substituo”, conta.

Do lado de dentro de casa, no entanto, o puxador está intacto. Elas sugerem que são as emissões da fábrica que estão provocando uma corrosão anormal de metais. Volta a pergunta: e na saúde das pessoas, o que isso está fazendo?

Um dos problemas mais graves, contam, é a privação do sono, que causa irritação e cansaço mental, devido ao ruído dos equipamentos do processo produtivo, principalmente a partir das 22 horas. As crianças ficam agitadas e com dificuldades de concentração.

No Ministério Público, em outubro do ano passado, ficou acordado que o ruído deveria se manter no limite de 55 decibéis de dia e 50 decibéis à noite. Mas a própria Fepam já fez medições de 60 ou 62 decibéis, conforme a localização da medição.

Mesmo assim, Carolina questiona as medições, porque, segundo ela, muitas vezes os técnicos da Fepam escolhem lugares para fazê-las onde o problema não é tão intenso.

Termo de Conduta Ambiental

Já em 2015, quando os novos equipamentos da ampliação estavam começando a operar, foi feita a denúncia ao Ministério Público do descumprimento da licença de instalação pela fábrica quanto ao cheiro, ruído e serragem.

Em outubro do ano passado, a empresa assinou no MP o Termo de Conduta Ambiental, com um prazo para se adequar às normas ambientais até o final de maio último, em relação a todos esses itens. Mas, conforme elas denunciam, nada mudou.

“Na licença diz que o odor não pode ultrapassar os limites da empresa, sempre constou isso e nunca foi respeitado. Por que a licença é sempre renovada?”, reclama Kátia.

Investimentos para redução de impactos

O gerente de Qualidade e Ambiente da CR, Clóvis Zimmer, numa resposta por escrito, lista 15 investimentos feitos para reduzir o impacto ambiental da fábrica nos últimos anos. Entre eles, modernização dos picadores de madeira e de todo o sistema de transporte dos cavacos, enclausurado para evitar a difusão do barulho e para contenção de pós de madeira.

Também cita, entre outros, um sistema de coleta e destruição de gases com odor para toda a fábrica, cortina de vento ao redor da pilha de cavacos (madeira picada) para conter e evitar o arraste de finos pela ação de ventos, um muro acústico na fronteira entre comunidade e empresa para minimizar ruídos do processo industrial e o enclausuramento das principais fontes de ruído.

No entanto, a própria empresa admite que a Fepam aplicou nove autos de infração desde julho de 2015: “As autuações se devem a situações pontuais em que ocorreram desvios de não atendimento conforme legislação ou condicionantes de licença de operação que não se materializaram em impactos mensuráveis ao meio ambiente”, afirma o gerente.

Quanto a vazamentos de efluentes não tratados no Guaíba, ocorridos ano passado e em abril último, ele diz que “ações foram rapidamente tomadas para mitigação dos danos e o Guaíba foi monitorado, não sendo observados impactos na fauna e flora do manancial”. Disso resultou uma das autuações da Fepam contra a empresa. 

Por fim, Zimmerman acrescenta que, no total, a Celulose Riograndense investiu, nas melhorias previstas no TCA cerca de R$ 20 milhões. “Os impactos, em sua grande parte, não resultaram em danos e a empresa apresentou defesas administrativas relativas a todas as atuações junto à Fepam”, conclui.

Nem tudo foi resolvido

A chefe da Divisão de Controle da Poluição Industrial da Fepam, engenheira química Fabiani P. Vitt, confirma que ainda há problemas com a fábrica: “Apesar da empresa ter realizado todas as ações previstas no TCA, nem todos os problemas foram resolvidos”, afirma a engenheira. 

Segundo ela, na questão de odor, encontra-se em andamento a implantação de um sistema de coleta e condensação de vapores que atuará sobre a causa identificada para os episódios pontuais de odor remanescentes. Em relação ao pó e à serragem emitidos, estão em andamento quatro ações “para sanar definitivamente essa questão”.

A Fepam diz que, ainda no primeiro ano de partida (2015) da planta 2, procurou o Ministério Público para tratar sobre os problemas da CR. “Desde então foram realizadas audiências com o MP em Porto Alegre e Guaíba até ser firmado o TCA”.

Conforme a chefe de divisão da Fepam, o valor total das multas aplicadas na CR desde a partida da planta 2, foi de aproximadamente R$ 1,3 milhão: “A multa de maior valor foi aplicada no episódio de vazamento de Cloro da Planta Química II, que foi de R$ 628.000 mil”.

A maioria das reclamações, acrescenta, são oriundas do Bairro Alegria: “Apesar da CMPC (CR) não ter sanado todos os problemas ainda, foram realizadas melhorias significativas pela empresa. Acreditamos que ao término das ações que ainda estão em andamento, os problemas devem estar sanados”.  

Bairro nobre

As diretoras da associação não compartilham do otimismo da Fepam. Segundo elas, o órgão está baseando-se em informações da própria empresa. O MP também estaria confiando em relatórios da indústria para considerar o TCA cumprido e, por isso, estiveram no MP para reforçar suas denúncias.

“Não mudou absolutamente nada, podem ter feito melhorias, mas não foi eficaz, não teve resultado satisfatório”, garante Cristina. “O barulho, principalmente, está cada vez pior”, afirma Saionara.

As moradoras mostram fotos antigas, comprovando que o Balneário Alegria, que até pórtico tem, já existia como bairro residencial muito antes de instalarem a antiga Borregaard. Elas não admitem a possibilidade de se mudar do bairro. “Não nos vemos morando em outro lugar, crescemos aqui, nossos filhos estão crescendo aqui”, afirma uma delas.

Kátia, resumindo o sentimento geral, lamenta: “Tínhamos orgulho de sermos descendentes das pessoas que aqui habitavam, éramos um bairro nobre e de grande valor histórico. Tudo está se perdendo e se desvalorizando, é muito triste saber que não poderá voltar a ser o que era, pois o estrago já está feito”.

Leia também:

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Reportagem produzida através do apoio do Programa de Pequenos Projetos da Fundação Luterana de Diaconia

EcoAgência

  
  
  Comentários
  
Jose v - 14/08/17 - 14:54
Só li idiotices na materia, as supostas "moradoras" dizem que sofrem com isso ou aquilo mais se é feita uma proposta de compra da casa das mesmas elas querem uma fortuna. Dizem que o bairro é valorizado e tem muita tranquilidade. (Digo por experiencia propria, já tentei comprar casa no bairro) se elas se sentem tão incomodadas porque não vendem? A reportagem tambem foi tendenciosa e nem se sequer se perguntou quais os beneficios que a empresa trouxe e traz a população. Porque não perguntaram?
Alexandre Seixas - 13/04/21 - 22:09
Moro na vila iolanda, para ter ideia hoje esta um fedor vondo da CMPC, não é mentira este fedor.
  
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