O dia 20 de setembro, que tradicionalmente celebra a cultura gaúcha, rememora não apenas o churrasco e a música típica, mas também a imagem do acampamento farroupilha no Parque Harmonia, em Porto Alegre. O local, que antes abrigava diversas espécies de árvores e animais, agora é cenário de devastação. Concedida ao poder privado, a área foi transformada em um vasto canteiro de obras, resultando na descaracterização da sua vegetação em prol de um projeto de desenvolvimento que ignora a importância das áreas verdes urbanas.
Alertas de ambientalistas e pesquisadores não são escassos, no entanto, são ignorados pelas autoridades públicas, ao passo que a mídia hegemônica gaúcha parece dar de ombros para essas preocupações.
Publicada no dia 19 de setembro, a notícia Parcerias com a iniciativa privada impulsionam desenvolvimento de Porto Alegre, da Rádio Guaíba, apresenta uma abordagem questionável da concessão da Orla do Guaíba, do Cais Mauá e do Parque Harmonia. O veículo assume uma postura pró-concessão ao descrever os projetos de revitalização em Porto Alegre como bem-sucedidos e promissores. Apesar de mencionar que uma parte da população questiona esse modelo de gestão, a reportagem se limita a ouvir apenas uma fonte: o Secretário de Parcerias e Concessões do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O jornalismo, no entanto, possui a responsabilidade de ouvir vozes que constituam outras perspectivas, como cidadãos, movimentos sociais e especialistas em urbanismo, especialmente quando se trata de decisões que afetam os espaços públicos.
Além disso, embora enfatize a revitalização de espaços urbanos, a Rádio Guaíba não indica como essas concessões podem impactar o meio ambiente e as áreas verdes da cidade. Esse enfoque transforma a notícia quase que em uma peça de promoção dos interesses de atores que defendem esse modelo de urbanização.
É fundamental questionar que tipo de desenvolvimento está sendo priorizado em Porto Alegre e quais são os custos ambientais para a cidade. O jornalismo deve desempenhar o papel de oferecer contrapontos, conscientizar a população e incentivá-la a se engajar na preservação das áreas verdes urbanas.
Como bem expressou a professora Ana Maria Dalla Zen, “matar árvores tornou-se rotina em Porto Alegre”. Sua coluna sobre o arboricídio na capital gaúcha, publicada no Sul21, mostra que a destruição do Parque Harmonia é apenas uma peça em um projeto sistemático e abrangente que atua em várias frentes, suprimindo as áreas verdes da orla porto-alegrense. Este é um plano que negligencia os desafios urbanos contemporâneos, a necessidade de mitigação climática e a responsabilidade em relação às futuras gerações. Quando a imprensa relata esses eventos sem questionar as forças políticas que os impulsionam, acaba por adotar uma visão limitada do mundo.
* Texto produzido no âmbito do projeto de extensão "Observatório de Jornalismo Ambiental" por integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). A republicação é uma parceria com o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS). Mathias Lengert é jornalista, mestre em Comunicação e integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).