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Terça-feira, 09 de Agosto de 2011

 
     

Edgar Morin apresenta alternativas à crise mundial

  

Para o francês,  a crise econômica iniciada em 2008 colocou em xeque o modo de conhecimento que fragmenta as várias disciplinas, impedindo a compreensão dos problemas globais.

  

Cláudia Dreier    
Morin participou da programação do Fronteiras do Pensamento em 2011 em Porto Alegre/RS


Por Jornalista Cláudia Dreier, Fundação Gaia, Legado Lutzenberger

Contextualização e exemplos pontuais marcaram a palestra de Edgar Morin que aconteceu na segunda-feira, 08 de agosto, integrando a programação Fronteiras do Pensamento em 2011. Com 90 anos e um mês exatos, o francês tem como valores principais o amor e o conhecimento. Ele aponta soluções para a crise atual a partir de suas pesquisas e vivência ao longo da História.

Segundo Morin, a crise econômica iniciada em 2008 colocou em xeque o modo de conhecimento que fragmenta as várias disciplinas, impedindo a compreensão dos problemas globais. Para entender o que acontece é fundamental conhecer o processo de globalização cada vez mais acelerado pela modernidade. “Não sabemos o que se passa e é isso que se passa. A crise econômica atual resulta de uma crise da sociedade moderna, da sociedade tradicional, da democracia, do pensamento, em fim, uma crise geral da humanidade.”

Dois lados da globalização

O francês considera a mundialização como a pior das coisas possíveis e, ao mesmo tempo, a melhor delas. Integrando o primeiro aspecto, ele lista o desenvolvimento da técnica que constrói fantásticas armas de destruição de massa e que gera a crise ambiental. “Mesmo com toda técnica desenvolvida somos incapazes de frear esta crise. Um dos problemas está nos Estados Nacionais, agora incapazes de manter as promessas feitas à população”. Ele propõe que os Estados Nacionais associem-se entre si para que possam ficar protegidos. “A ONU tem pouca força para decisões em esfera planetária que envolvam a questão armamentista e o necessário cuidado com a biosfera”.

Morin discorre sobre as ameaças à civilização utilizando uma metáfora. “No século XX um monstro, uma espécie de polvo gigante com muitos  tentáculos, amedrontava a humanidade: era o totalitarismo exemplificado no nazismo e no fascismo. Com a queda do comunismo despertou um novo polvo: o do fanatismo e do maniqueísmo, de cunho étnico e religioso. A partir da abertura econômica da China e do Vietnã, ganha força o polvo da economia globalizada, do capitalismo financeiro que é mais poderoso do que o Estado Nacional”. Como exemplo recente, ele cita o caso dos EUA, no qual uma agência abaixou a nota dos americanos e os demais países vêem-se incapazes de contornar a crise mundial.

Para o francês, o aspecto positivo da globalização é unir os povos na mesma comunidade, no mesmo destino ao viverem perigos semelhantes, o que cria condições para surgir um novo mundo. “O desafio é inventar uma sociedade global sem o modelo dos Estados Nacionais. Há  outra sociedade a ser criada.” Ele enfatiza a importância da palavra “pátria” que reúne os conceitos paterno e materno na mesma expressão. O amor de mãe e o suporte dado pelo pai geram a idéia do Estado que fraterniza, tem nos seus cidadãos filhos que devem tratar-se como irmãos. “O grande desafio é edificar uma terra-pátria que respeite as comunidades.”

Componente aleatório

Para Morin existe um componente aleatório na história da vida e da civilização, exemplificado pela origem do regime de governo preponderante nos Estados Nacionais. No século quinto antes de Cristo, a cidade de Atenas, berço da democracia, resistiu ao primeiro ataque dos persas com o auxílio dos soldados de Esparta. No segundo confronto, ela foi arrasada. Ao regressar da batalha, os barcos da frota inimiga foram afundados no Peloponeso, assim Atenas pode reerguer-se e a democracia persistiu por mais 50 anos. Na Era Moderna, este regime foi ressuscitado nas cidades italianas, belgas e na Revolução Francesa. E o improvável aconteceu: a democracia, criada em uma pequena cidade grega, estabeleceu-se como uma característica da sociedade vigente.

“Mas como é possível mudar o caminho, como parar um trem desenfreado em direção à catástrofe?” questiona ele, voltando à crise atual.  “Em vários momentos a sociedade humana mudou de rumo graças a um indivíduo e a um pequeno grupo a ele associado.” Morin cita Buda, Maomé e Jesus Cristo.  Este, após a pregação, em dois ou três séculos teve sua doutrina transformada na religião do Império Romano. “Isso aconteceu graças a Paulo que teve uma revelação no caminho para Damasco, permitindo universalizar a mensagem: não há judeus nem gentios, homens ou mulheres, a palavra é dirigida à humanidade tornando o cristianismo a grande religião.”

Morin aponta exemplos semelhantes para a ciência moderna, referindo-se a Galileu, Descartes e Bacon, e para os modelos sociais citando os criadores do Comunismo e do Anarquismo. “As mudanças são possíveis, começam moderadamente. Se o sistema não trata dos problemas fundamentais, ele se desintegra, mas é possível que, de algum modo, com criatividade este mesmo sistema seja metamorfisado  gerando um novo sistema.”

Metamorfose

Segundo o francês, os sistemas na Terra respondem aos problemas de três maneiras: regridem a um estágio anterior, desintegram-se ou passam por uma metarmorfose. “Temos na borboleta um belo exemplo. Quando se rompe o casulo da larva, o mesmo ser passa a ter asas e alimenta-se diferentemente de quando estava enclausurado.” Morin lembra que o próprio ser humano, quando no ventre materno, é um ser aquático.
“A história humana é uma história de metamorfoses.” Morin enfatiza que as pequenas sociedades de centenas de indivíduos, viáveis ecologicamente, tiveram diferentes estágios de evolução para se transformarem em grandes cidades e civilizações como as dos Astecas e Incas, na América. “Esta metamorfose específica vai desagregando os valores da comunidade no seu processo de crescimento.”

Atualmente, na França fala-se em desglobalização, pois a mundialização destruiu as realidades regionais e a solidariedade típicas da vida comunitária. “Busca-se agora sair deste processo, estimulando as trocas que possibilitem uma nova sociedade.” O palestrante defende o pensamento binário, onde coexistam a globalização e a desglobalização. “Podemos manter os pontos positivos da globalização, preservando as culturas nacionais e a agricultura de subsistência do país para garantir os alimentos da nação sem precisar importá-los. É preciso ter a virtude de proteger as comunidades locais.”

Outra proposta de Morin é trocar o desenvolver pelo envolver. Enquanto o primeiro promove o crescimento econômico material, destrói a solidariedade, traz a corrupção política e a tecnologia destrutiva; o segundo mantém o sistema unido, fortalece a comunidade, a cultura e a identidade.  Aceita o que  vem de fora, respeitando os aspectos de cada cultura, fazendo uma simbiose entre o Ocidente e as antigas culturas tradicionais.

Alternativas

Baseada no desenvolvimento material, a Sociedade Ocidental carece de hospitalidade, de cortesia e de uma maior harmonia com a natureza. Para alterar este quadro, Morin propõe um decrescimento econômico e energético em prol do florescimento de uma economia verde, remodelando  as cidades para torná-las humanas e suportáveis. “Precisamos de uma economia solidária e verde que vença o lucro.”

No decorrer da palestra, ele cita várias iniciativas que promovem a humanização de comunidades carentes e ressalta a falta de conexão entre elas, sugerindo que a internet possa ter um papel fundamental nesta necessária comunicação. Ele propõe reformas na agricultura convencional que traz mais males do que benefícios. “Também precisam ser revistas, além da pecuária moderna, a consciência de mundo e a educação.”

Referindo-se ao processo educativo, Morin cita Rousseau. “Educar é ensinar a enfrentar os problemas da vida, a ter compreensão humana, a encarar as incertezas e as armadilhas do conhecimento”. Uma nova idéia de mundo está relacionada à reforma da educação e do pensamento. As vidas cronometradas e monótonas também podem ser modificadas para originarem maior autonomia e maior experiência de comunidade.

“Devemos viver a vida de maneira polarizada em prosa e em poesia. Em prosa fazemos o que somos obrigados, o que pode cansar e entristecer, mas é necessário para ganhar o pão. Em poesia temos o que realmente nos faz vive:r o amor, a amizade, a comunhão, a dança, o lúdico.” Desenvolver o poético da vida  permite reformá-la e construir a partir do outro. “O outro é diferente e semelhante a nós por possuir a mesma capacidade de sofrer, sorrir, amar, pensar e refletir.” Ele ressalta que primeiro é preciso conhecer a si mesmo para evitar transferir as próprias fraquezas para o comportamento do outro que deve ser apreciado como se estivesse em uma tela de cinema. “Lá aplaudimos um mendigo, um operário se este for vivido por Charles Chaplin”.

Ao “bem estar” que remete a aquisição de objetos materiais, Morin contrapõe a proposta de “bem viver”, citando Evo Morales. Esta propõe-se a ensinar um novo viver e também auxiliar o outro a viver bem. “Uma reforma deve incluir tanto a vida social quanto a individual, uma reforma isolada não dá certo. Um exemplo claro disto é a Revolução Comunista de 1917 incapaz de criar um sistema semelhante à sua ideologia. Aquilo que foi criado ficou pior do que existia anteriomente e emplodiu em 70 anos, dando lugar ao capitalismo e a religiões mais poderosas do que as sufocadas no início do século.”

Morin apresenta-se otimista acreditando que exista salvação para continuar a aventura da humanidade, para ele a História é uma sucessão de crises e nelas aumentam as incertezas. “Como respostas nos períodos conturbados podemos encontrar a solução em algo novo, regredir ao passado ou acharmos um bode expiatório.”

Nas suas últimas palavras, ele afirma que “toda transformação cultural também é mental e psicológica. A esperança é como um fermento para a transformação e a metamorfose. Todas as reformas intersolidárias, são como córregos que se unem para formar rios os quais se juntam até chegar a um Amazonas. Assim se forma um novo caminho e o antigo desintegra-se.” Ele recomenda copiar o modelo dos adolescentes que têm como aspirações a maior autonomia e a maior vivência em comunidade.

“Hoje, o melhor da humanidade pode se desenvolver no Brasil, pois aqui existe uma simbiose entre diferentes povos e nações. Eu mesmo penso algumas vezes em me mudar para o Brasil”, conclui Morin despertando risos na platéia do Salão de Atos da UFRGS e no jornalista Juremir Machado da Silva, que apresentou o palestrante francês.

Fundação Gaia - EcoAgência

  
  
  
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