A esperança na eleição do novo governo Lula (2023-2026) ainda alimenta mentes, corações e militâncias em março de 2023. Em poucos meses de governo, os indicadores são ruins para os territórios indígenas, porém em relação à situação do povo Yanomami todo um esforço de contenção de danos tem sido realizado. Em janeiro, a crise humanitária Yanomami teve atenção do governo federal e com isso houve ampla cobertura da imprensa em todos os meios e formatos. As manchetes trouxeram os números que chocaram: mais de 500 crianças mortas por causas evitáveis em quatro anos, estupros, violência, adolescentes grávidas. Fome, falta de condições de saúde. Eram denúncias antigas que finalmente tiveram destaque na mídia como um todo.
O caso pode ser considerado um exemplo de um tema que teve tratamento abrangente na imprensa, trazendo as conexões entre a exploração ambiental – por meio do garimpo ilegal – à contaminação por mercúrio da água em Terras Indígenas, que deveriam estar protegidas. É o que propomos quando falamos da necessidade de contextualização dos temas ambientais pelo jornalismo, conduzindo o leitor às condições de entender fatos, causas e consequências dos problemas enfrentados.
Quando focamos nas consequências, temos farto material. A palavra genocídio apareceu novamente na imprensa durante o período da cobertura desta crise, que foi contextualizada por entrevistas e artigos sobre direitos humanos, antropologia, saúde, com autoridades, militantes e especialistas. Em 20 de janeiro, a reportagem de Samantha Rufino e Valéria Oliveira, de Roraima para o Portal G1 trouxe elementos básicos para o entendimento da situação dos povos, indicando a questão alimentar como fundamental para o quadro triste de mortes de mais de 500 crianças e outras tantas em desnutrição crônica. No dia 24 de janeiro, Laís Seguin escreve para o Portal UOL e faz um histórico da tragédia com foco nas questões da saúde da população indígena.
Em fevereiro, algumas reportagens aprofundaram a questão mostrando porque políticas públicas e fiscalização do governo são essenciais para a região, como neste caso do texto de João Fellet e Leandro Prazeres na BBC. “O número de mortes por desnutrição de indígenas da etnia yanomami aumentou 331% nos quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em comparação com os quatro anos anteriores”. No G1, a ênfase às práticas econômicas prevaleceu na análise sobre os fatos, em reportagem de Arthur Stabile e Poliana Casemiro: “Dados do Inpe mostram crescimento da mineração ilegal em áreas de reservas protegidas e especialista vê projeto de exploração econômica da Amazônia como fator determinante para a prática.”
De forma geral, para uma observação mais crítica, podemos pensar em causas que ficaram de fora da maioria dos relatos. Como por exemplo, para além da contaminação por mercúrio, a forte pressão de violência que impedia os indígenas de caminhar, coletar, plantar, usufruir do território, e como isso faz impacto direto na situação de fome e insegurança alimentar.
Lembramos, ainda, que há o olhar do jornalismo local que trouxe mais elementos para entender o contexto. Entre esses, destacamos o material da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real. Vale conferir a reportagem do IJNET que discute a cobertura, incluindo a percepção de jornalistas indígenas. Também por conta da explosão da pauta, outros veículos locais recuperaram denúncias de outros povos, como os Kaingangs no Rio Grande do Sul, como nesta notícia de Luis Gomes noSul 21.
A repercussão da crise também incluiu apontar que o desmatamento nas terras Yanomami cresceram 25% somente em 2022, com dados do INPE, como publicado por Diego Gimenes na revista Veja. As notícias sobre desmatamento e garimpo ilegal ainda vão persistir, pela complexidade das ações necessárias, que envolvem imediata desintrusão das terras, demarcação e homologação de processos dos territórios, para o bem dos povos originários e do planeta. Ao jornalismo cabe manter-se firme no acompanhamento da pauta, uma das mais importantes desta década.
* Texto produzido no âmbito do projeto de extensão "Observatório de Jornalismo Ambiental" por integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). A republicação é uma parceria com o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS). Cláudia Herte de Moraes é jornalista, doutora em Comunicação e Informação, professora na UFSM, Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).