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Dia dos Povos Indígenas

Quinta-feira, 20 de Abril de 2023

 
     

Dia dos Povos Indígenas: 523 anos de resistência contra os estigmas

  

Com a falta de efetividade do ensino da cultura indígena nas escolas, os povos originários encontram dificuldades para se manter no contexto urbano

  

Agência Brasil    
19 de abril: data é marcada por mobilizações de celebração e de luta pela cultura indígena no Brasil


Por Luísa Teixeira - Humanista

Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril. Uma data para celebrar a cultura e a herança dos povos originários, mas também para reafirmar a resistência e a luta por reconhecimento. Um caminho ainda longo quando projetado a partir da mudança recente no próprio nome atribuído à efeméride. Antes “Dia do Índio” – forma de representar indígenas carregada de estigmas -, só foi receber o nome atual por meio da Lei 14.402, sancionada em 2022. A escolha por 19 de abril refere-se à realização do 1º Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, em 1940, na mesma data.

 

Uma resistência que já dura pelo menos 523 anos, desde que os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, desencadeando ataques que dizimaram comunidades inteiras, e que não parece estar perto de terminar. Para a professora dos anos iniciais Luana Barth Gomes, pesquisadora em Educação Ameríndia e Interculturalidade, a temática ainda é tratada de forma estereotipada nas escolas. “É necessário desformar a sociedade”, defende a cacica Krexu Takuá, sobre educar a população desfazendo preconceitos. Ela é da etnia Guarani e coordena o Centro de Referência Indígena Afro, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre (RS).

Resistindo na cidade

Nascida na periferia e envolvida com movimentos sociais desde os 12 anos de idade, a cacica Krexu Takuá, da etnia Guarani, coordena hoje o Centro de Referência Indígena Afro do Rio Grande do Sul. Sua luta é para que o lugar das pessoas indígenas não seja apenas nas aldeias, mas em qualquer lugar. Para ela, os aldeamentos são como um cercamento, uma política de exclusão para não ter acesso aos direitos previstos na constituição brasileira e para que não convivam com a sociedade.

Krexu estudou a vida toda em escolas públicas convencionais e nunca se sentiu representada nas atividades referidas ao dia 19 de abril. “Era 3° ano do ensino fundamental e o meu colega disse: ‘nossa aqui no livro ele tá pelado e tu tá de roupa’. Imagina isso pra uma criança de nove, 10 anos. Foi algo que me marcou muito”, relembra. Na cultura Guarani, a criança fica sob a guarda da mãe até os sete anos, quando aprende outra língua e vai para o primeiro ano do ensino fundamental. A saída do vínculo familiar resulta em uma sequência invisível de violências. “Você está em um ambiente acolhedor e confortável e vai enfrentar com sete anos o mundo, a sociedade, um estado racista, machista e preconceituoso com o ser indígena.” 

Pedagoga e doutoranda em Educação pela UFRGS, Raquel Kubeo, indígena de 33 anos, nasceu em Manaus, no Amazonas, e veio para Porto Alegre dar continuidade aos estudos. Assim como a cacica Krexu Takuá, é uma indígena em contexto urbano. Não nasceu na aldeia e durante toda a vida escolar também estudou em escolas públicas convencionais.

Nesse contexto, Raquel confessa o seu incômodo com a forma que o dia 19 de abril era retratado nas escolas. “A gente sofria uma invisibilização, não tinha o cuidado de trazer para a escola esses conhecimentos de culturas indígenas enquanto identidade, era estudado como se não fizesse parte do nosso contexto, como se indígena só fosse quem está vestido com a roupa tradicional e vivendo dentro da aldeia”. Por isso, para demonstrar resistência nos espaços em que está, Raquel utiliza o nome de sua etnia, Kubeo, em sua apresentação pessoal – e não o nome civil.

Em Manaus, deu aulas em escolas da periferia. Já em Porto Alegre, onde mora atualmente, trabalhou como professora dos anos iniciais na rede municipal e como palestrante. Ela explica que existem várias formas de integrar ao currículo o estudo sobre as culturas indígenas. Nas aulas de ensino religioso, por exemplo, estudava com a turma sobre a importância dos rituais indígenas.

Buscar a ancestralidade também é uma forma de abordar o assunto em sala de aula. A professora Luana Barth Gones, que tem ancestralidade indígena, compartilha isso com a turma e incentiva os alunos a também buscarem suas origens. “A gente parte do que é do conhecimento deles. Aí, nos trazem descendência alemã, portuguesa, espanhola e alguns também nos trazem africana e indígena”, revela.

A partir disso, desenvolve-se um parâmetro do passado com o presente e se explica que os primeiros habitantes do Brasil convivem conosco diariamente.

Para compartilhar os saberes indígenas e cumprir a lei, Raquel Kubeo acredita que a troca de conhecimento está nas vivências e a melhor forma de falar sobre indígenas é trazê-los das comunidades próximas para conversar. “Muitas das nossas falas foram registradas por não indígenas e são consideradas conhecimento por causa de um diploma. É considerado mais relevante uma pessoa branca falar sobre nossos conhecimentos do que as nossas próprias falas”.

Da falta de formação ao mito do aculturamento

Com a Lei 11.645/2008 completando 15 anos, faltam professores capacitados para o ensino da cultura e da história indígenas e a maioria das escolas não investem na formação dos profissionais em ensino étnico racial. É a avaliação da professora Luana Gomes. Sem preparo, acabam trabalhando da forma que conhecem e repetem o que viram quando eram alunos.

“Fazer uma pintura é [uma atividade] totalmente esvaziada de sentido; as pinturas são, para muitas culturas, sagradas. Então, quando eu me pinto por pintar eu estou até mesmo ofendendo”, explica Luana. “Quando eu faço um cocar de papel eu estou ofendendo as culturas que tem o cocar como objeto sagrado. Não é uma homenagem, não é bonito e não é adequado.”

Outro obstáculo social enfrentado é o senso comum das pessoas que acreditam na ideia de que quando os indígenas passam a usar os mesmos recursos de não indígenas – como o celular ou estudar na universidade, por exemplo – se torna um indivíduo aculturado. “A gente também usa coisas que muitas vezes não fomos nós que desenvolvemos, vieram de outras culturas, de outros países. Por que a gente não deixa de ser quem é e eles tem que deixar de ser quem são?”, questiona a professora.

Além do despreparo dos professores, os livros didáticos contribuem para a estigmatização quando trazem imagens estereotipadas e que valorizam o indígena como um ser selvagem, criando uma visão deturpada e arraigada ao passado. Segundo Luana Gomes, dessa forma as crianças têm dificuldade de associar os povos originários à contemporaneidade e entender que o contexto urbano também é território indígena.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Humanista - EcoAgência

  
  
  
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