Fabio Moretzsohn, conferencista do VII CBUC, também fala sobre a importância de o Brasil adotar medidas que reduzam os impactos à biodiversidade decorrentes da exploração de petróleo no pré-sal.
Por Maria Luiza - NQM Comunicação
O vazamento de óleo ocorrido no Golfo do México, em 2010, na plataforma da Deepwater Horizon, pode ter causado mais danos à vida marinha e as áreas ao redor do local do acidente do que o já foi revelado até agora. Estimativas indicam que o acidente causou a morte até o ano passado de aproximadamente seis mil tartarugas (de cinco espécies, todas ameaçadas de extinção), 26 mil mamíferos marinhos e 82 mil aves marinhas.
Os dados extraoficiais são estimados pelos cientistas que estudam os impactos causados pelo derramamento de óleo, considerado o pior acidente ambiental de todo o mundo, e foram apresentados no VII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (VII CBUC) pelo biólogo Fabio Moretzsohn, Ph.D em Biodiversidade Marinha e cientista assistente de pesquisa do Harte Research Institute for Gulf of Mexico Studies, vinculado à Texas A&M University, dos Estados Unidos, em sua palestra sobre “Riscos à biodiversidade pela exploração de petróleo em águas profundas e no pré-sal brasileiro”. O VII CBUC está sendo realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, de 23 a 27 de setembro, em Natal (RN).
Moretzsohn afirmou que, apesar de impactantes, esses dados incluem apenas os animais vertebrados. “Pouco se preocupam com os invertebrados, plantas, algas e micróbios, que formam a base da cadeia alimentar, além das colônias de corais de profundidade”, alertou. Segundo ele, é provável que nunca se saiba a extensão da área afetada pelo derramamento, porque fazer pesquisas em profundidade é caro e difícil, e, além disso, o óleo demora dezenas de anos para se degradar e continua a afetar o meio ambiente.
Além das consequências ao meio ambiente, o acidente no poço de Macondo, que fica a 100 km da costa da Louisiana, trouxe prejuízos também, de forma indireta, à pesca, ao turismo – estima-se que hoje está em torno de US$ 23 bilhões – e à saúde pública. “Não foi maior porque felizmente as correntes marítimas não trouxeram a maior parte do óleo para a costa, mesmo assim o litoral e a baía foram atingidos e muitos animais mortos”, revelou Moretzsohn.
O acidente ocorrido no DMW derramou aproximadamente 4,9 milhões de galões, ou cerca de 780 milhões de litros de óleo, entre 20 de abril e 15 de julho de 2010. Foram quase três meses de derramamento de óleo em águas profundas. “Ainda não se sabe bem os danos causados à biota de água profunda. Há muitos estudos sendo feitos, mas os dados conclusivos demorarão vários anos”, explicou o biólogo.
Sobre a exploração do pré-sal no Brasil, Moretzsohn acredita que, em caso de um provável acidente, a maior parte do óleo não chegue a atingir a costa brasileira devido à distância, mas não deixa de ser grave. “O perigo do pré-sal é que por ser muito profundo, num caso de acidente seria difícil conter o derramamento no topo do poço, devido à grande pressão do óleo. Provavelmente a solução final seria perfurar um poço de alívio, o que demoraria meses para se concluir. Nesse intervalo, uma quantidade enorme de óleo e gás poderia ser derramada e atingir seriamente as comunidades de águas profundas, além das de águas mais rasas (numa escala menor)”, enfatizou.
Moretzsohn, no entanto, foi enfático ao afirmar que a exploração do pré-sal brasileiro requer o desenvolvimento de um plano emergencial preventivo de combate a possíveis acidentes em águas profundas, para proteger os ecossistemas oceânicos. “O Brasil precisa ter planos desenvolvidos para a região, baseados em pesquisas detalhadas sobre a geologia e ecologia local”, concluiu.
Veja a entrevista completa concedida por Fabio Moretzsohn à Fundação Grupo Boticário.
Qual foi o impacto do acidente no Golfo? É possível quantificá-lo?
Fabio Moretzsohn: O acidente da Deepwater Horizon no golfo foi o pior desastre ambiental nos EUA. É difícil quantificar exatamente os danos causados; os relatórios oficiais, que serão usados para multar a BP (British Petroleum, companhia responsável pelo acidente) ainda estão em elaboração, mas deverão usar números de animais que foram encontrados mortos, não as estimativas dos que morreram. E note a ênfase dos estudos apenas sobre os vertebrados; poucos se preocupam com os invertebrados, plantas, algas, e micróbios, que formam a base da cadeia alimentar. E apesar de vídeos de águas profundas mostrarem amplas áreas cobertas por óleo, como colônias de corais de profundidade, não se sabe ainda a porcentagem dessas áreas que foram afetadas (e provavelmente nunca se saberá, pois é difícil e caro fazer pesquisa em profundidade). O problema de óleo no fundo do mar é que deve demorar dezenas de anos para se degradar, e nesse período afetará o meio ambiente.
No DWH, o poço Macondo fica a cerca de 100 km da costa da Louisiana, e felizmente as correntes marinhas não trouxeram a maior parte do óleo para a costa. Mesmo assim, o litoral e baías foram atingidas e o óleo causou a morte de muitos animais. Os dados oficiais (número de animais encontrados mortos) são os seguintes: 1.146 tartarugas marinhas, 128 golfinhos e 8.209 aves marinhas (de 102 espécies, incluindo várias ameaçadas de extinção). Porém, o número real de animais mortos deve ser muito maior, e cientistas estimam que cerca de 6.000 tartarugas (de 5 espécies, todas ameaçadas de extinção), talvez cerca de 26.000 mamíferos marinhos, e umas 82.000 aves marinhas tenham morrido até 2011, e provavelmente mais continuam morrendo. Até hoje, mais de 40 anos depois de um derramamento de óleo em Massachussets, a biota continua sofrendo as consequências, então os resultados do DWH vão durar várias décadas. Além da mortalidade aos animais mencionados acima, o acidente causou danos à pesca, turismo, e à saúde publica.
Os danos em termos financeiros, também ainda não são conhecidos. Até hoje a BP já pagou 4,7 bilhões de dólares para as vítimas, mas é esperado que no final os custos sejam de cerca de 20 bilhões em indenizações. No final, a BP deve ter tido um prejuízo de uns 40 bilhões. O prejuízo ao turismo, num prazo de três anos, está estimado em uns 23 bilhões (esse prejuízo não será indenizado em grande parte).
O impacto registrado do Golfo do México é o mesmo que pode ser causado à Baia da Guanabara (Rio de Janeiro) ou em Paranaguá (no litoral do Paraná), onde aconteceram derramamentos de óleo?
Moretzsohn: O derrame de óleo do DWH foi o maior derrame acidental até hoje no mundo. Não encontrei muitas informações sobre o derrame de óleo em Paranaguá (apenas um uns 100.000 litros de óleo de soja); o da Baia de Guanabara (de 1,3 milhões de litros de óleo em 2000). O DWH foi de aproximadamente 4,9 milhões de galões, ou cerca de 780 milhões de litros de óleo, entre 20 de abril a 15 de julho de 2010 (quase três meses). Como o poço do Macondo, onde ocorreu o acidente, é em águas profundas, de 1.500 m, ainda não se sabe bem os danos causados à biota de água profunda. Há muitos estudos sendo feitos, mas os dados conclusivos demorarão vários anos.
Antes do DWH, o maior derramamento acidental foi o Ixtoc II em 1979, ao largo da costa sudoeste do golfo, no México. O poço ficava a apenas uns 40 m de profundidade (apesar de a perfuração ser profunda, cerca de 3 km). Apesar da pouca profundidade de água, o derramamento demorou dez meses para ser contido, e só acabou quando perfuraram um poço de alívio (relief well), um processo demorado. O volume de óleo derramado foi quase metade do DWH, e trouxe muitos danos ao meio ambiente.
Como no Brasil, o pré-sal fica mais longe da costa e é mais profundo que o poço Macondo, em caso de acidente, imagino que a maior parte do óleo não vá atingir a costa do Brasil. Porém, isso não quer dizer que não causaria danos ao meio ambiente. O perigo do pré-sal é que por ser muito profundo, em caso de acidente seria difícil conter o derramamento no topo do poço, devido à grande pressão do óleo. Provavelmente a solução final seria perfurar um poço de alívio, o que demoraria meses para se concluir. Nesse intervalo, uma quantidade enorme de óleo e gás poderia ser derramada e atingir seriamente as comunidades de águas profundas, além das de águas mais rasas (numa escala menor).
O óleo é menos denso que a água, então ele naturalmente sobe à superfície. Porém, no caso do DWH, a BP usou, pela primeira vez, um dispersante (um tipo de detergente tóxico, para "quebrar" o óleo) em profundidade. O uso de dispersantes é uma operação comum em derrames de óleo, mas previamente apenas na superfície. Como o dispersante dissolve o óleo e o faz solúvel em água (e com isso ajuda na limpeza do óleo derramado), no caso do DWH, uma boa parte do óleo não chegou à superfície, mas ficou dissolvido no fundo do mar, em plumas de partículas microscópicas de óleo difíceis de serem mapeadas. Alguns estudos estimam que tais plumas chegaram a 16 x 5 km de dimensões, com até 91 m de espessura. Segundo a lei americana, as companhias de óleo são multadas baseadas no volume de óleo derramado (na superfície). Os detratores dizem que a BP usou o dispersante para "fazer o óleo desaparecer" e com isso diminuir a multa. A BP, porém, diz que usou o dispersante para proteger o litoral. Também se especulou que o dispersante ajudou a quebrar o gás que saía em grande quantidade, que poderia ter sido perigoso e até afundar os navios envolvidos nas operações.
Tem como se preparar para esses tipos de acidentes? De que forma?
Moretzsohn: A melhor forma para se preparar é prevenir acidentes. Mesmo com todo cuidado, acidentes acontecem. É preciso ter um plano de ação preparado com cuidado, para que, no caso de acidente, sejam tomadas medidas de emergências desde o começo. No caso da BP, o plano de emergência foi copiado de planos feitos no Alaska, onde aconteceu o último acidente grave (da Exxon Valdez, em 1989); tal plano mencionava o que fazer para proteger as morsas, animal que não existe no golfo do México. Para ser justo, todas as companhias de petróleo operando nos EUA faziam o mesmo, copiavam planos anteriores.
O Brasil precisa ter planos desenvolvidos para a região, baseados em pesquisas detalhadas sobre a geologia e ecologia local. Imagino que já exista um bom conhecimento da geologia (pois é importante para se encontrar o petróleo). É preciso saber como as camadas de rochas, sal, e outras camadas, estão arranjadas, e como atingir o poço por outro ângulo, caso seja preciso perfurar um poço de alívio. É preciso ter equipamento apropriado para operar na profundidade. No golfo do México, apenas as companhias petroleiras têm acesso a robôs submarinos capazes de chegar à profundidade do poço Macondo, nem a marinha americana tinha tal equipamento. Parte dos planos de emergência inclui conhecimento das correntes marinhas, biota, alternativas para fechar o poço (muito difícil devido à pressão do óleo saindo), etc.
Como aliar exploração do pré-sal com conservação?
Moretzsohn - É preciso fazer estudos de impactos ambientais antes de se começar a exploração. Como a exploração já começou, imagino que tais estudos já tenham sido feitos. Porém, seria bom se a lei brasileira destinasse uma porção do dinheiro levantado com o pré-sal para a conservação da região. Mesmo uma pequena porcentagem já geraria um grande fundo para a conservação.
No entanto, na prática, não há muito que se possa fazer para proteger a biota de águas profundas, pois mesmo que se feche uma área à exploração, a poluição poderia vir de outro lugar. Por outro lado, é possível proteger e tomar certas precauções para a biota de águas rasas, especialmente no litoral, caso o óleo chegue até lá.
Parte do dinheiro gerado pela exploração deveria ser também investida no desenvolvimento de novas tecnologias tanto de remoção do óleo da superfície da água e do fundo do mar quanto de bloqueio da mancha de óleo para evitar que chegue às áreas mais sensíveis, como manguezais ou recifes de coral.