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Segunda-feira, 30 de Março de 2009
  
Reflexões sobre a Governabilidade da água: dimensão da política numa perspectiva civilizatória

A governabilidade da água emerge como resposta político-institucional a uma série de fenômenos do nosso tempo que caracterizam um amplo e complexo cenário também conhecido como Era dos Limites.

  
Por Franklin de Paula Júnior
  

“A água serpeia entre musgos seculares.
Leva um recado de existência a homens surdos
E vai passando, vai dizendo
Que esta mata em redor é nossa companheira,
É pedaço de nós florescendo no chão”
(Carlos Drummond de Andrade)

A governabilidade da água emerge como resposta político-institucional a uma série de fenômenos do nosso tempo que caracterizam um amplo e complexo cenário também conhecido como Era dos Limites. Hoje, a humanidade já consome mais de 40% da capacidade de suporte e regeneração do Planeta Terra (BOFF, 2009).  Para se levar a cabo uma governabilidade da água bem alicerçada em necessidades mais prementes, que façam frente às tendências de agravamento do quadro planetário, ao menos quatro questões surgem como fundamentais:

• a adaptação, mitigação e prevenção aos efeitos das mudanças climáticas e ambientais globais, que incidem diretamente com alterações no movimento natural e milenarmente ininterrupto de reciclagem da água no planeta;

• a promoção do desenvolvimento humano em bases sociais, econômicas e ambientalmente sustentáveis;

• a utilização das vantagens comparativas provenientes da produção de bens e serviços baseados no uso múltiplo das biomassas terrestres e aquáticas abundantes nos países tropicais, a partir de uma abordagem verdadeiramente sistêmica que leve em conta os limites e potenciais dessas biocivilizações (SACHS, 2009); e

• o aprofundamento da democracia a partir da diversidade social e da pluralidade étnico-cultural, da combinação entre representação e participação cidadã, e fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global (SANTOS e AVRITZER, 2005).

Nesse contexto, o enfrentamento dos atuais desafios relacionados à conservação e uso sustentável da água requer um arsenal de saberes e práticas que visam assegurar as suas funções básicas de manutenção da vida, equilíbrio ecossistêmico e geração de serviços ambientais, até a sua destinação para os usos humanos, quando passa a ser considerada recurso hídrico.

A importância que o tema da governabilidade da água vem adquirindo pode ser aferida, por exemplo, pelo curso realizado em fevereiro, na belíssima e histórica cidade de Antigua-Guatemala, por meio do "Programa de Formação Iberoamericano em Matéria de Águas" (http://www.codiastp.org/formacion.html) da Conferência de Diretores Gerais de Água da Iberoamérica (CODIA), que, por sua vez, integra o Fórum Iberoamericano de Ministros de Meio Ambiente.

O Curso de Governabilidade da Água na Iberoamérica é coordenado pela Guatemala, sendo o Brasil, Colômbia, Honduras e Espanha seus co-coordenadores. As principais dificuldades ali apontadas pelos onze países participantes relacionam-se, em geral, com questões vinculadas a incapacidades institucionais, seja na aplicação de instrumentos de gestão e planejamento, seja na insuficiência de quadros funcionais, ou, ainda, no estabelecimento de diálogos e envolvimento social, embora também existam variadas experiências exitosas nesses aspectos.

Na Guatemala, berço da milenar civilização Maia, o atual governo reconhece a importância da água para as culturas ancestrais, bem como a relação estreita com as mudanças climáticas. Esse reconhecimento se traduz no tratamento estratégico que é dado ao tema institucionalmente, a ponto de se criar um gabinete específico de água ligado à Secretaria de Planejamento e Programação da Presidência da República (SEGEPLAN/PR), além da já existente Unidade de Recursos Hídricos e Bacias do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais (MARN).

A Espanha, por sua vez, possui mecanismos bastante desenvolvidos de planejamento e gestão da água, bem como de consultas públicas, e trabalha em sintonia com a Diretiva Quadro da Água para a União Européia, que preza por uma gestão realmente integrada e articulada com a variável ambiental. Há experiências bem consolidadas na gestão compartilhada de águas transfronteiriças com Portugal, como acontece no âmbito da Confederação Hidrográfica do Rio Douro.

A experiência brasileira, em especial a relacionada com a participação social na gestão dos recursos hídricos – por meio dos comitês de Bacia Hidrográfica, dos conselhos estaduais e Nacional de Recursos Hídricos – é tida como referencial inovador para a região. Há uma experiência também emblemática de comissões locais que trabalham a gestão integrada de recursos hídricos a partir da revitalização de micro-bacias, como acontece na Bacia do rio Paraná III, por meio do Programa “Cultivando Água Boa” da Itaipu Binacional.

O Brasil protagonizou a elaboração de seu Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), de 2003 a 2006, com ampla participação da sociedade e consistente diagnóstico, que considerou a água em suas múltiplas dimensões, destacando o seu valor socioambiental relevante e a necessidade de segurança hídrica para as gerações atuais e futuras.  Agora, na fase de implementação de seus programas, o Plano brasileiro conta com um Sistema de Gerenciamento Orientado por Resultados que propicia uma avaliação permanente e correção de rumos, e vem contratando estudos complementares que visam, por exemplo, à maior concatenação com a questão das mudanças climáticas, quantificação do uso da água por tipos de uso a fim de se estabelecer modelagens de equilíbrio geral, definição de parâmetros para a vazão ecológica, planejamento estratégico do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), adequação do marco legal e institucional e criação de um Observatório das Águas. Além dessas experiências, há, em curso, uma série de outras relevantes tais como cobrança pelo uso água, alocação negociada, cadastramento de usuários, dessalinização, compra de esgotos tratados, revitalização de bacias, captação e armazenamento de água de chuva, dentre outras.

Superando mazelas institucionais históricas na relação Estado e sociedade

O Brasil, assim como grande parte dos países latino-americanos, depara-se com a necessidade de acelerar o processo de transição democrática, após décadas de autoritarismo e burocratismo, logo sucedidas pelo também infeliz período de endeusamento da lógica de mercado, em detrimento do desmantelamento do aparato estatal e do agravamento das injustiças sociais. Para uma melhor noção do atual horizonte da governabilidade da água, faz-se oportuna uma contextualização histórica. Isso se torna ainda mais pertinente quando se trata de manejar duas dimensões distintas, porém complementares, de atuação do Estado: a da operacionalidade por um lado, e a sócio-político-institucional (ou estratégica) por outro.

O estabelecimento de novos padrões de interação entre o Estado e a sociedade é uma necessidade que sinaliza para uma arquitetura de funcionamento estatal mais inclusiva e permeável aos anseios populares. Assim, torna-se apropriado levar em conta o contexto do histórico distanciamento entre ambos, pois segundo Eli Diniz, “historicamente, a tutela do Estado cerceou a autonomia da sociedade. A rigidez da institucionalidade estatal, presa à herança corporativa, seu fraco potencial de incorporação política, a impermeabilidade do Estado às demandas sociais em expansão, seu baixo grau de responsabilidade pública acentuaram o divórcio Estado-sociedade”.

Márcio Pochmann, ao criticar as distorções da onda liberalizante dos anos 90, constata que “o desvirtuamento do compromisso do Estado com ações emancipatórias do conjunto da população não geraram apenas um mundo mais desigual e profundamente injusto. Houve também a desconfiança generalizada de que o homem não mais seria capaz de construir coletivamente uma trajetória superior, dada a ênfase no curto-prazismo das decisões políticas e gerenciais e do individualismo narcisista apoiado na economia do ter, inclusive com a inviabilização da sustentabilidade ambiental do planeta”.

No contexto da gestão dos recursos hídricos no Brasil, pode-se dizer que boa parte do distanciamento a que se refere anteriormente Eli Diniz já foi superada, até porque, o novo arcabouço legal vigente (CF 1988 e Lei Federal 9.433/97) se conformou justamente no auge de um processo de retomada da agenda democrática do país. Esses processos libertários e democratizantes, segundo Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer, “parecem compartilhar um elemento comum: a percepção da possibilidade de inovação entendida como participação ampliada de atores sociais de diversos tipos em processo de tomada de decisão” e, em geral “implicam a inclusão de temáticas até então ignoradas pelo sistema político, a redefinição de identidades e pertencimentos e o aumento da participação”.

Mesmo no âmbito específico da governabilidade da água, torna-se imprescindível o esforço de conjugação da racionalidade instrumental-analítica com a dinâmica dialógica da racionalidade comunicativa, que agrega e irradia os estímulos da força viva da sociedade (HABERMAS, 1987).

Outra perspectiva epistêmica que não pode ser negligenciada nesses novos tempos, é o que Michel Maffessoli denomina de razão sensível, que se preocupa com o homem vivo, que sofre, que é feliz, que tem emoções e sentimentos, diferentemente do racionalismo puramente cientificista, “particularmente inapto para perceber, ainda mais apreender, o aspecto denso, imagético, simbólico, da experiência vivida” e que tem como característica uma maneira classificatória, “que quer que tudo entre em uma categoria explicativa e totalizante”.

Dessa maneira, também é importante a busca de complementaridade entre os parâmetros de eficiência e eficácia, com a mobilização da dimensão do público, para além do meramente estatal, sendo capaz de propiciar, dentre outros resultados de um processo societário, patamares satisfatórios de legitimidade e efetividade da ação pública.

Sobre o novo papel do Estado e as necessidades de ampliação da esfera pública e promoção da governança democrática, é interessante o que acentua Pierre Calame: “apesar de não terem a exclusividade de tais operações, os poderes públicos são, em geral, melhor posicionados para suscitar diálogos e parcerias, podendo ser os catalisadores da ação coletiva”, requerendo, para tanto, “uma profunda mudança cultural com relação aos governantes e a função pública, e exige mudanças também nos procedimentos”.

Ao identificar os principais conflitos da sociedade contemporânea, “os neo-conflitos, que se caracterizam pelas polarizações, como das ilusões da dissidência x as tentações da ordem; da democracia direta x democracia representativa; da conciliação a todo preço x conflito a todo preço”, Paul Ricoeur defende que, para ultrapassá-los, é preciso incorporá-los antes, promovendo e assegurando “a coexistência dos grupos sociais, estimulando uma conciliação que inclua, mas também ultrapasse o conflito, no sentido da compreensão do outro, buscando uma unidade na diversidade, um ordenamento a partir da complexidade social”.

Sentidos e saberes da Política: a água como assunto público (e bem de todos)

Uma política pública e, portanto, uma governabilidade da água à altura dos desafios da atualidade, requer, sobretudo, dos agentes governamentais, uma atuação mais arrojada de revalorização da dimensão da política como “arte de mobilizar esforços em torno de valores e forjar o consenso, construindo coalizões entre os interesses”. Ângelo Panebianco sinaliza o campo de atuação da política em relação à técnica e à administração, ao dizer que “a administração e a técnica, assim como a competência, podem seguir a política, jamais precedê-la, e menos ainda substituí-la” e que “a essência do saber político não pode ser subrrogada pelos saberes técnicos”.

Numa linha bem próxima, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendendo diferentes diálogos para a pactuação socioambiental nacional, chegou a dizer que “se tivermos o propósito ético de nos desenvolvermos com justiça social e ambiental, haveremos de achar as respostas técnicas”.

O pensador italiano Norberto Bobbio também afirmou que “a democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos”.

Na encruzilhada civilizatória ante a qual nos encontramos, cabe o que o historiador Alfredo Bosi chama de “ótica humanizadora como um valor a atingir”, ou seja, “apreciar nos meios técnicos precisamente o que são: objetos, úteis, produtos da inteligência prática, e não um fim em si mesmos” (BOSI, 1992).

Para cumprir esse papel civilizatório, a Política também não pode se dar no vazio, ela precisa buscar maior aderência com as várias dimensões da realidade e estabelecer uma dinâmica retro-alimentativa, apoiando-se no instrumental teórico e prático disponível, tanto por meio dos conhecimentos técnico-científicos como dos demais saberes existentes, inclusive o bio-regional e os dos povos originários e tradicionais.

Desse modo, a governabilidade da água adquirirá a devida envergadura à medida que se assegure dos riscos, vantagens e oportunidades da opção de rumo pelas vias da democracia.

Nos processos de concertação social, há que se ter cuidado, por exemplo, com a exacerbação da lógica da busca da eficiência que, levada ao extremo, pode gerar distorções no processo deliberativo, induzindo a uma visão equivocada de que os caminhos da democracia são um empecilho à governabilidade. É oportuno aqui relembrar que há diferentes temporalidades em jogo, que o tempo linear da tecnicidade é diferente do tempo cíclico da natureza, do tempo social e político ou do tempo complexo da inter-subjetividade humana.

Também é notório que a era da informação tem nos condicionado a uma ânsia de celeridade em quase tudo, mas não podemos deixar que a ênfase no curto-prazismo das decisões políticas e gerenciais, a que se refere Pochmann, estrangule a necessária maturação do tempo social, em se tratando de políticas públicas, a ponto de acabar por vulnerabilizá-las.

Assim como os setores mais refratários à participação pública costumam questionar os processos e/ou foros deliberativos, devido a um suposto alto custo de transação dos mesmos, há que se questionar, por outro lado, qual seria o custo da não participação e da inexistência dessas instâncias que possibilitam a explicitação e a legitimação dos conflitos, de entendimentos e negociação entre interesses divergentes, de construção novos conhecimentos e de estabelecimento de pactos sociais duradouros.

Para que o processo deliberativo dos colegiados do Sistema de recursos hídricos não se deixe contaminar com a onda de despolitização geral da política, faz-se necessária boa dose de precaução. Silvio Caccia Brava comenta o fenômeno: “A luta política assume um caráter instrumental, de cálculo de poder (...)o foco está nas vantagens que cada representante pode obter (...)assistimos à despolitização da política (...)a política instrumental descarta as necessidades públicas, reforça o jogo dos interesses privados e engessa as expectativas da sociedade, que, engolfada por essa lógica perversa, já não consegue mais pensar as transformações sociais” (CACCIA BAVA, 2008).

As investidas contra a política muitas vezes encontram ressonância amplificada em parcelas da mídia hegemônica, com peculiar interesse no seu esvaziamento. Segundo Márcio Moreira Costa, “quando a mídia forja a opinião popular segundo interesses econômicos privados ou mesmo objetivos particulares, esforçando-se para produzir apatia política, o cidadão é transformado em massa de manobra porque a soberania popular está comprometida” (COSTA, 2008).

Nesse sentido, é fundamental o fortalecimento das modalidades de controle e participação social na gestão das águas do país, o que requer uma avaliação e um planejamento de ações que respondam minimamente a esse desafio. Parte desse diagnóstico já até existe e está presente em várias manifestações apontadas pelos próprios segmentos que participam do SINGREH.

A formação continuada de capacidades é uma dessas reivindicações já cristalizadas no âmbito do sistema de recursos hídricos. Uma excelente novidade nesse aspecto, já acessível aos membros do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), é o Programa de Formação de Conselheiros Nacionais (http://www.ufmg.br/conselheirosnacionais/), iniciativa da Secretaria Geral da Presidência da República (SG/PR), que cuida do acompanhamento geral dos conselhos e conferências nacionais, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

Esse Programa utiliza plataforma de ensino à distância e oferece cursos semi-presenciais com conteúdos que contribuem para a qualificação da atuação dos conselheiros e gestores públicos nos entes colegiados nacionais, formando em temas como democracia, república, participação social, políticas públicas, processos deliberativos, representação etc. Além de formar massa crítica para uma atuação mais consistente, cria-se um ambiente de aprendizagem permanente por meio de uma rede de atores sociais, facilitando a interação virtual entre os mesmos.

Igualmente importantíssimo é a criação e o fortalecimento de mecanismos que facilitem o estreitamento da relação entre representantes e representados, forjando uma verdadeira cultura de participação, de modo que a discussão sobre a política pública seja colocada acima dos interesses particularistas dos grupos e das identidades corporativas (TEIXEIRA, 2008). Sem abrir mão da importância dos encontros presenciais mínimos necessários nas instâncias colegiadas, a utilização de mecanismos eletrônicos para aumentar a freqüência da troca de informações pode contribuir, até mesmo, para que reuniões de grupos de trabalho, por exemplo, possam ser feitas virtualmente, reduzindo, inclusive, custos de logística.

Águas correntes: o agir supra-corporativo e as políticas públicas participativas

A dinâmica e a qualidade das políticas públicas participativas evocam um agir que vá além das demandas corporativas, colocando o interesse público no mais elevado patamar do agir político.

Diferentemente dos meios tradicionais de representação, os mecanismos de participação disponibilizados por meio dos colegiados temáticos e setoriais, agregam em si uma vantagem comparativa. Segundo Ana Cláudia Teixeira, “ao contrário do que acontece muitas vezes no Congresso Nacional e na grande mídia, os conselhos e conferências são instâncias realmente voltadas para a discussão pública das grandes questões de interesse nacional”.

Ao observar a participação nos colegiados deliberativos, Leonardo Avritzer nota que “a partir do momento em que os conselheiros reconhecem que estão influenciando nas decisões, parece haver uma motivação a mais para que continuem participando do processo deliberativo”.

Por serem auto-educativos e auto-formativos, os processos participativos já trazem uma valoração per si. Bobbio, ao defender a promoção da cidadania ativa como balizadora da evolução da democracia, constata que “a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática”.

Mas há que se cuidar, no caso específico dos colegiados de recursos hídricos, para que as ações formativas sejam continuadas e permanentes, dentre outras razões, pelo alto grau de rotatividade dos membros desses colegiados. O SINGREH dispõe, hoje, de um arranjo participativo composto por aproximadamente duzentas instâncias colegiadas que são consultivas, normativas e deliberativas, como os conselhos (Nacional, estaduais e distrital) ou os comitês de bacia hidrográfica (de rios da União e dos estados).

Para estimular condições mais justas de participação, é preciso tratar diferenciadamente os desiguais, começando por reconhecer “grandes assimetrias de recursos, conhecimento e poder, que, de alguma forma, se reproduzem nesses espaços”. Ainda segundo Ana Cláudia Teixeira, “um dos grandes desafios para a participação tem sido o acesso à informação. É impossível participar ativamente se as informações são restritas, assistemáticas, com baixa clareza e precisão”.

Embora a gramática dos recursos hídricos possa evocar e ecoar limitações para além da sua semântica, a atual legislação brasileira da área (Lei Federal 9.433/97) está assentada em dois pilares fundamentais que incrementam o exercício da governabilidade da água de maneira imbricada com a governança democrática.

O pilar republicano, ao reafirmar o preceito constitucional da água como bem público, e o pilar democrático, com a prerrogativa da gestão descentralizada e participativa, conferem a precedência e o anteparo legal e institucional balizadores da estruturação do próprio Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e da implementação da Política de Águas, tendo, como pano de fundo, o paradigma da sustentabilidade socioambiental.

Partindo-se da compreensão de que a água é tema transversal a todas as políticas públicas e setoriais, a inserção dos profissionais e atores sociais da área de recursos hídricos em seus respectivos espaços específicos de atuação é tão importante e indispensável quanto buscar transcender às tentações do agir hermético e conseguir enxergar o seu papel estratégico na qualificação do modelo de desenvolvimento do país e na construção de uma nova perspectiva civilizatória.

A governabilidade da água deve se valer da capacidade da política em estabelecer nexos e dar sentido a uma grande tecitura, sempre em sintonia fina com princípios fundamentais tais como o da ética do cuidado, da intergeracionalidade, da paz, da justiça, da tolerância, da alteridade, da auto-determinação, da co-responsabilidade, da solidariedade e da cooperação.

*Franklin de Paula Júnior é administrador, especialista em Filosofia Política Contemporânea e, atualmente, gerente da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente. franklintermedio@gmail.com

Referências bibliográficas:
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• COSTA, Márcio Moreira. Democracia, representação e crise. Revista Espaço Acadêmico, jan/2008, disponível em www.espacoacademico.com.br/080/80costa.htm.
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• SILVA, Marina. Discurso de posse. Brasília, 02/01/2003.
• TEIXEIRA, Ana Cláudia. Até onde vai a participação social? Le Monde Diplomatique Brasil, Ano 2, N. 7, fev/2008.
• http://www.mma.gov.br/ 
• http://pnrh.cnrh-srh.gov.br/

  
             
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  Comentários
  
Rosalvo de Oliveira Junior - 28/07/10 - 16:13
Prezado Flanklin, Teu artigo está bem escrito e é denso, na medida em que ele assenta-se em extensa e atuais referências bibliográficas. Ele é teórico, muito teórico. Acho a teoria importante, importantíssima. Mas o teu artigo não entra no âmago da questão da governabilidade das águas no Brasil ao não analisar, à luz de dados e informações oficiais, a execução e cumprimento das metas dos programas, projetos e ações governamentais que suportam e dão concretude as ações efetivas do estado nacional na busca da governabilidade das águas no Brasil. Quais são os programas, projetos e ações nesta esfera de governabilidade das águas no Brasil; qual o seu custo; quantas pessoas tem envolvidas; quais os indicadores de desempenho institucional e cumprimento de metas; quanto foi executado em termos financeiros; quanto representa esta execução financeira em relação ao orçamento geral do meio ambiente (ou da água) no Brasil, por exemplo; qual a proporcionalidade do quantitativo de membros da sociedade civil em relação ao total de membros nas diversas instâncias dos colegiados; deve o orçamento e execução da ANA e da SRH/MMA ser decidido nestes conselhos ou não(e porque sim ou porque não); qual o orçamento anual da ANA, quanto ela executa, ele é suficiente para atender as necessidades mínimas; qual o orçamento da SRH/MMA...etc. Enfim, teu artigo foi muito bem na parte teórica, faltou a prática, ou seja, o concreto do vivido no Brasil com relação à governabilidade das águas. Mas acho que estamos num bom início. Parabéns.
 
  
  
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