Não vivemos uma época de mudança, mas uma mudança de época, segundo Guillermo Gómez. Não estamos passando por uma mudança climática, mas sim rumando ao caos climático, conforme Wolfgang Sachs. A impressão que dá é de que se a gente não for atrás de uma voz dissonante daquela dos noticiários, corremos o risco de continuar levando a nossa vidinha sem participar da realidade.
O primeiro nome citado aparece em um capítulo do livro Sociedade Midiatizada, organizado por Denis de Moraes. O segundo aparece também em livros e esteve no Fórum Social Mundial de 2002 em Porto Alegre. Wolfgang Sachs é autor deGreening The North - A Post-Industrial Blueprint For Ecology And Equity; Planet Dialectics: Explorations in Environment and Development; The Development Dictionary: A Guide To Knowledge as Power e atua como pesquisador do Instituto para Clima, Ambiente e Energia de Wuppertal, Alemanha. Ele esteve em Porto Alegre na última sexta-feira (04/12) palestrando no Instituto Goethe sobre “Mudanças climáticas versus mudanças culturais”.
Para ele, dizer que estamos passando por uma mudança climática é um eufemismo político. Na verdade, falar em caos climático seria mais adequado em termos científicos. O que implica a necessidade de haver uma mudança civilizatória. Sachs afirmou que a nossa realidade exige uma reformulação da problemática de desenvolvimento, porque o sistema econômico vigente é incapaz de gerar justiça social e de oferecer uma vida mais digna aos seres.
Neste sentido, Wolfgang Sachs sugeriu três balizas para alcançarmos uma economia-ecológica, na qual possamos encontrar bem-estar social verdadeiro. A primeira delas é a desmaterialização, que consiste em levar em conta que, ao contrário do pressuposto que dirigiu a economia nos últimos 180 anos, a natureza e seus recursos não são abundantes para sempre, de que é preciso mudar a direção do progresso técnico, através do uso cada vez menor de insumos da natureza, água, superfície e matéria-prima. Ele mesmo lembrou que esta ideia já vigora há anos, bem visível nas prateleiras dos mercados. Por exemplo, passou-se a adquirir embalagens menores com detergentes mais potentes do que alguns anos atrás. Além de se restaurar prédios antigos, empregando energias alternativas como a solar ou ainda, tornando o prédio energeticamente ativo, ou seja, produtor de energia, vendedor para a rede. De acordo com a tradução simultânea do alemão para o português, o palestrante foi taxativo: “até que ponto preciso me apropriar privadamente da riqueza?”, disse se referindo ao uso de carros pelas famílias. Afinal, são cinco ou seis lugares, sendo que na maioria das vezes, vemos nas ruas de Porto Alegre, apenas o motorista dentro. Além disso, o veículo fica a maior parte do tempo estacionado. Literalmente parado boa parte do percurso, como no caso dos frequentes congestionamentos. Por que não investir em transporte coletivo, através da redução de impostos? Por que não construir ciclovias ou vias para pedestres, já que, não são raras as vezes, em que desistimos do ônibus e completamos o trajeto a pé (devido a pressa, alguma fobia, calor, estresse diário, etc)?
A segunda baliza sugerida é regeneração ou compatibilização com a natureza. Não há dúvidas de que foi o modelo colonizador, explorador de terra e outros recursos naturais dos países hoje emergentes, pelos países situados no Hemisfério Norte, que proporcionou o crescimento de suas economias. E que o rastro deixado para trás é de degradação e pobreza. Tudo isto já foi e continua sendo dito por pesquisadores. Sachs afirma que a utopia seria produzir localmente para o próprio consumo. Sim, ele propõe a regionalização da economia em todas as áreas, desde a alimentação à geração de energia. Algo que a mídia ora através da publicidade ora através das notícias nos exulta a correr na direção contrária: compre em bigs mercados; vamos construir uma mega usina hidrelétrica; vamos gerar milhares de empregos com a vinda de uma grande indústria ou fábrica multinacional. Outra impressão: que estamos afundando o mundo (em alguns lugares literalmente) por causa desta mania de grandeza.
Os conceitos de autolimitação ou moderação traduzem a terceira baliza sugerida. Sachs propõe que nos questionemos “o quanto é o suficiente?”. E eu pergunto: por que divulgamos nas notícias que, o evento de um ano que não repetiu o mesmo índice de crescimento em vendas, teve uma redução no lucro? Porque o lucro tem que aumentar na proporção de uma progressão geométrica? O pesquisador argumenta que será preciso começar a considerar um lucro satisfatório e não mais máximo. A justificativa é bem conhecida de todos: falta tempo para aproveitar tudo o que possuímos, toda a riqueza que acumulamos. Assim, a satisfação é externa quando compramos bens, segundo Sachs, mas a satisfação interna custa tempo, o que cada vez temos menos. “Comprar um CD é simples, mas não ouvir as músicas significa não ter uma satisfação interna”, ouvi de Sachs, graças ao tradutor.
Aliás, o tradutor eu entendi bem, então vou citá-lo novamente: “Simplicidade é uma boa ideia. O oposto não é abundância é desintegração”. Palavras marcantes. E dizer que um dos grandes divulgadores do movimento Simplicidade Voluntária é daqui de Porto Alegre – mas aposto que nem todos que estão lendo este texto sabem do que se trata. É muito simples levar uma vida simples, desde que não cedamos aos apelos do lucro fácil, ao desejo de levar vantagem em tudo, à mania de grandeza. O custo disso além da falta de tempo e degradação da natureza e até do caráter, pode ser a garantia da permanência do ser humano na Terra. Tomara que a História não conclua que foi uma profecia a frase de Claude Lévi-Strauss: “O mundo começou sem o homem e acabará sem ele”.
Acréscimos: