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Domingo, 07 de Outubro de 2012
  
O novo imperialismo e a força que o enfrenta

O que se questiona aqui não é produzir; é como escolhemos produzir. A forma atual de produção de alimentos não só estraga o planeta e despreza os caminhos naturaisque deveriam ser adotados, como não surte os efeitos de massificação da abundância de comida que prometeu

 

  
Por Maria Cristina F. S. de Bustamante
  

Em sua história, o ser humano sempre buscou autonomia e independência. Revoluções, em sua maioria, sangrentas, vêm mudando por todo o planeta o estado de coisas típico da tirania: escravidão, oligarquia, opressão, censura. Os cidadãos reagiram, se organizaram e mudaram o curso de muitas histórias nefastas. A dependência social, política e financeira dos países e nações foi dando lugar ao pensamento livre, à autodeterminação dos povos e a conquistas econômicas no cenário mundial.

A liberdade de pensar, agir, divergir, destoar, criar novas vertentes é considerada valor fundamental e indispensável às sociedades modernas e democráticas. Somos estimulados pelo e estimulamos o sentimento de cidadania. Surgem diariamente movimentos, organizações, núcleos, grupos em defesa da legitimidade de luta e da conquista de autonomia e independência.

Os poderosos arcaicos, assim como os recém-chegados à condição de dominantes na luta pelo poder econômico têm se valido de armas mais sutis para manter seu controle sobre a grande maioria da população terrena. Antes usando artimanhas religiosas, financeiras e bélicas subjugavam as vontades e centralizavam de forma crescente seu poderio econômico e influência.

De algumas décadas para cá, mais precisamente durante e após a Revolução Verde, o mundo foi convencido de que a fome deve ser aplacada com ampliação de áreas de plantio e criação, intensificação do uso do solos e dos animais de produção, utilização maciça de agrotóxicos, emprego de sementes geneticamente modificadas e batalhas fiscais. O emprego de máquinas imponentes e de alta tecnologia, o uso de sementes transgênicas, a substituição sistemática de áreas naturais por lavouras prometiam banir a fome de todos os continentes.

O que sei viu foi aumento no desperdício, elevada taxa de obesidade nas populações dos países ricos, e, ainda, a fome nos países pobres. O pior é que a alteração radical na forma de agricultura e pecuária tradicional deu lugar a uma agropecuária voraz e desumana, chamada, não à toa, de convencional (porque convém a alguns). Os produtores rurais foram perdendo a noção de conjunto que deve ser companheira da boa produção.

Ficou perdido no tempo o conhecimento das necessidades da terra, a atenção às manifestações da natureza, o olhar sobre os bichos e o clima, e o seu entendimento. Não que a modernidade não tenha sido benéfica. O foi e ainda é. Os ganhos com a produção intensiva são maiores, mais fartos, mais visíveis. O produtor pode mostrar com orgulho seus campos plantados a perder de vista, seu monte de animais no curral. As safras são mais volumosas e os produtos de origem animal, mais variados e disponíveis. Mas, a que custo?

Não é possível, hoje, sabendo o que sabemos, olhar para o lado e disfarçar. Sabemos que a terra está extenuada, suja, contaminada, que cada vez são necessários mais fertilizantes para que ela alimente as plantas. Sabemos que as plantas estão cada vez mais sensíveis, mais distantes da rusticidade que a natureza levou muitos milhões de anos para desenvolver. Que as pragas não são controladas com as medidas artificiais que adotamos e que, a cada safra, elas são mais abundantes e destruidoras. Que variedades são selecionadas mais pelo paladar do que pela viabilidade, exigindo enormes volumes de pesticidas e adubação química. Que pessoas sofrem de forma crônica e os bebês, de forma precoce, as consequências do envenenamento do mundo.

Sabemos que os animais estão perdendo (muitos já perderam) a capacidade de assumir hábitos e posturas que seriam naturais às suas espécies. Vacas de “alta performance” não mais gestam seus filhos, eles são colocados em outros ventres. Para produzir leite, as vacas são inseminadas, não se faz mais a corte e os ritos de acasalamento. Seus bezerros jamais mamam; elas “segurariam” o leite para eles... São amarrados em casinholas, com coleiras no pescoço, e mamam as bordas do telhado e do balde. Elas, que entendem que os filhos morreram, produzem leite amamentando as teteiras da ordenhadeira mecânica, em um lacônico ato de se esvaziar para nada. Sua percepção de maternidade é tão distorcida e distante que emprenham após muito hormônio e, mesmo, assim, são acometidas de repetidas infecções mamárias e uterinas.

Além de tudo, contaminamos a água, o recurso mais vital que temos disponível na Terra. Tão importante que, em seu estado líquido, é indicador de possibilidade de vida em outros planetas. A água doce, que representa o ínfimo percentual de 2,5 % de toda água do planeta vem sendo diária e massivamente poluída e contaminada por esgotos domésticos, efluentes industriais e resíduos de atividades agropecuárias. Aqui se incluem os agrotóxicos e o excesso de fertilizantes, levados pela chuva para os cursos d’água e lençóis freáticos.

Certamente a produção de vegetais e proteínas de origem animal é importante. Mas, o que se questiona aqui não é produzir; é como escolhemos produzir. A forma atual de produção de alimentos não só estraga o planeta e despreza os caminhos naturais que deveriam ser adotados, como não surte os efeitos de massificação da abundância de comida que prometeu.

Destruímos cotidianamente nosso conhecimento ancestral e nossa sensibilidade, dando lugar à patética crença de que as técnicas empregadas e recomendadas pelas grandes oligarquias de insumos são indispensáveis. "Imagine: produzir sem agrotóxicos!” “Impossível plantar sem fertilizantes químicos!” “Animais não sentem, não se importam como são tratados. Vieram ao mundo para nos servir, como desejarmos.”

Não pensamos com liberdade suficiente para criticar esse processo atordoante. O marketing das empresas é eficaz em nos deixar com medo de agir sozinhos, com medo da falência, com ganas de produzir e lucrar muito, embora com custo ambiental. O oligopólio de sementes transgênicas diz: “Plante! Mas quando eu deixar.” “Produza! Mas o que eu permitir.” “Coma! Mas aqui, na minha mão.” O que a humanidade tem deixado em seu rastro é destruição, esterilidade, sujeira e morte.

Entretanto, há caminhos viáveis. A produção sustentável, que tanto se propaga hoje em dia, trata mesmo de pensar no futuro. O sustento, não só de cada produtor, mas de seus descendentes, das nações, do planeta, depende do que sobrar na Terra para ser aproveitado após a passagem dessa sociedade devoradora e egoísta que formamos. Nos tornamos a maior praga a se combater. Será possível, ainda, colher sem contaminação? Beber água limpa? Criar os animais dos quais nos alimentaremos, com respeito e deferência (afinal nos dão suas vidas como alimento)?

Desenvolvimento sustentável é o desafio de colocar em prática ideias e utopias. Afinal, elas alimentam nossos sonhos. Podem, perfeitamente, ser ajustadas para alimentar a humanidade. As práticas orgânicas de agricultura e pecuária exigem muita superação por seus produtores. Eles devem superar o medo de perder a lavoura por não usarem agrotóxicos. Devem superar a falta de fertilizantes sintéticos, pois terão suas fontes naturais na propriedade. Devem superar a escassez de sementes, pois colherão as suas. Devem alimentar suas famílias com seus produtos, pois não as intoxicarão. Devem olhar o amanhã de seus filhos com mais alívio. Devem ouvir mais pássaros, se alegrar com mais joaninhas e ter mais certeza de estarem fazendo o certo.

Esses produtores estão cunhando um novo sentido para a palavra “liberdade”, tão preciosa para o ser humano: eles aprenderam que só a vida pode ser livre. E que produzir com respeito à vida, todas elas, qualquer delas, é o que confere à liberdade algum significado.

Olhe. Ouça. Veja. Pense. Conclua. Aja. Ainda temos muitas vidas a libertar.

 

Maria Cristina F.S. de Bustamante é médica veterinária homeopata e doutora em Ciências Veterinárias. 


  
             
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