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Observatório de Jornalismo Ambiental

Terça-feira, 30 de Agosto de 2022

 
     

O jornalismo com causa de Marcos Sá Corrêa

  

O livro Olhar Perto, Enxergar Longe, recém lançado, mostra como Marcos Sá Côrrea transformou a conservação da natureza em um grande assunto jornalístico

  


Por Roberto Villar Belmonte*

Michael Frome, um dos pioneiros do jornalismo ambiental nos Estados Unidos, participou de um evento em Curitiba, em 2004, e fez questão de circular pela capital paranaense com um botão da campanha de John Kerry no peito. O jornalista queria mostrar aos brasileiros que George Bush, que acabou reeleito naquele ano, não tinha o apoio de todo povo norte-americano. Perguntado se exibir uma preferência tão ostensiva não atentaria contra a isenção jornalística, o experiente repórter respondeu:

– Não caio nessa conversa. Pensando bem, nunca fui imparcial. Para mim, o jornalista não pode ser imparcial porque tem que ser um advogado das boas causas. Precisa defender a liberdade de expressão, o direito à verdade, atacar a corrupção, tirar a roupa do rei diante da opinião pública. Como fazer isso sendo imparcial?

Esta história foi contada por Marcos Sá Corrêa em um de seus textos publicados no primeiro ano de O Eco, site especializado em jornalismo ambiental criado por ele em 2004 em parceria com Kiko Brito e Sérgio Abranches. Filho do jornalista político Villas Boas Corrêa, Marcos trabalhou na revista Veja, no Jornal do Brasil, no jornal O Dia e na revista Época. No início do século XXI, migrou para o jornalismo online e independente,  lançando o site No. (lê-se No Ponto), que se tornou o embrião do No mínimo e ajudou João Moreira Salles a criar a revista Piauí.

Em seis anos de atuação no site O Eco, ele produziu cerca de 300 textos. Parou de publicar após um acidente doméstico ocorrido em fevereiro de 2011. Para comemorar o aniversário de 18 anos, o site O Eco lançou no mês passado o livro Olhar Perto, Enxergar Longe: Crônicas ambientais atemporais, com 98 colunas de Marcos Sá Corrêa. O livro é organizado em 10 capítulos: Naturalistas e outras feras; Mirantes para o futuro; A arte de andar no mato; Desenhando arcas; Ecos de uma cidade; Notícias do fim do mundo; Jornalismo com causa; Quem barra Barra Grande?; Foco na última chance; Moradas do Iguaçu. Várias crônicas receberam ao final um rodapé chamado Em Tempo com atualizações apuradas especialmente para o livro.

No texto de abertura do capítulo Jornalismo com causa, Sá Corrêa defende que a primeira reportagem ambiental publicada no Brasil foi Os Sertões, de Euclydes da Cunha. Ainda nesta seção do livro, logo após o relato do seu encontro com Michael Frome que aconteceu em Curitiba em 2004, está a crônica “Agora em português, a voz do velho radical” apresentando o livro Green Ink: uma introdução ao jornalismo ambiental lançado nos Estados Unidos em 1996 e publicado em português em 2008.

– A receita de Frome cabe em poucas palavras. “Alfabetize-se, e corra riscos”, ele disse anos atrás a um estudante que lhe pedira conselhos. Pôs tudo nessa frase. Sem alfabetizar-se, o aprendiz de jornalista não terá palavras para publicar o que as pessoas, em geral, preferem não ouvir. E sem correr riscos, não deixará o aconchego das fontes oficiais e das versões confortáveis, para recolher as histórias que, por incômodas, não têm porta-voz.

Não por acaso, logo depois do capítulo Jornalismo com Causa há uma compilação de colunas de Sá Corrêa sobre o escândalo de Barra Grande, relatando a luta da ambientalista Miriam Prochnow, da ONG Apremavi, contra a construção de uma hidrelétrica que devastaria florestas primárias em Santa Catarina. O Em Tempo do capítulo atualiza o caso, que entrou para a história do ambientalismo brasileiro e chegou a mudar a legislação de crimes ambientais:

– A hidrelétrica de Barra Grande alagou 4 mil hectares de floresta com Araucárias, e a espécie de bromélia Dyckia distachia foi extinta da natureza. As compensações ambientais não saíram do papel: apesar de um estudo multidisciplinar recomendar a criação do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pelotas, a proposta segue engavetada, assim como os R$ 22 milhões que deveriam ter sido investidos em ações de conservação. A luta contra a barragem, porém, mudou a lei de crimes ambientais, que passou a incluir o “artigo Barra Grande”, responsabilizando criminalmente técnicos que assinarem laudos falsos: pelo artigo 69-A da lei 9.605/1998, quem “elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão” está sujeito a pena de 3 a 6 anos de reclusão, além de multa. A repercussão do caso também foi decisiva para que, até agora, permaneça arquivado o projeto da hidrelétrica Pai Querê, que inundaria mais de 100 km ao longo das margens do rio Pelotas. Miriam Prochnow e a Apremavi continuam denunciando agressões ao meio ambiente e promovendo ações de educação ambiental, conservação da biodiversidade e restauração florestal. Em 2023, a Apremavi completa 35 anos.

Dar voz a bichos e plantas, através daqueles que se interessam em protegê-los, é um dos valores éticos do site O Eco, criado por Marcos Sá Corrêa. Quando a identidade do novo veículo especializado estava sendo definida aconteceu um diálogo entre seus fundadores (https://oeco.org.br/noticias/15310-oeco_9963/) que é uma verdadeira aula de jornalismo ambiental. Lá pelas tantas, Marcos Sá Corrêa explica sua concepção de jornalismo com causa:

– (…) a tal declaração de que cobriremos qualquer assunto, mas sem perder de vista que estamos aqui tratando de conservação da natureza, foi posta ali para nos servir de lembrança que, se bobearmos, cairemos num dos excessos que a meu ver espremem o noticiário ambiental na imprensa. De um lado, ele é apertado pela suposição de que tudo vem antes dele – política, economia, esporte, cinema. Se não há um desastre qualquer, tipo vazamento de óleo na Baía de Guanabara, meio ambiente é um assunto que mais ou menos se esconde lá no fundo dos jornais, na companhia de achados arqueológicos e outros bichos. Ou melhor, outra falta de bichos. Do outro lado, quem já se converteu ao ambientalismo acha que todas as linhas, toda beirada de espaço que puder pegar nos meios de comunicação é para fazer denúncia e catequese. Resultado: uma pauta “ambiental”, que trata a conservação da natureza como uma cruzada evangélica. Temos que nos lembrar o tempo todo que o site aposta todas as fichas na suposição – será fantasia? – de que o ambientalismo já está ficando grande demais para continuar restrito aos ambientalistas. Nós queremos ir atrás de um grande assunto que todo mundo está perdendo. Bem, pelo menos era isso que eu quis dizer.

O livro Olhar Perto, Enxergar Longe, recém lançado, mostra como Marcos Sá Côrrea transformou a conservação da natureza em um grande assunto jornalístico. A obra é mais uma importante contribuição do site O Eco para a qualificação do jornalismo ambiental brasileiro.

 

Referências

CORRÊA, Marcos Sá. Olhar perto enxergar longe: crônicas ambientais atemporais.

Rio de Janeiro: Associação O Eco, 2022. Disponível em: <https://oeco.org.br/biblioteca/olhar-perto-enxergar-longe-cronicas-ambientais-atemporais/>.

FROME, Michael. Green Ink: uma introdução ao Jornalismo Ambiental. Curitiba: Editora UFPR, 2008.

 

 

* Texto produzido no âmbito do projeto de extensão "Observatório de Jornalismo Ambiental" por integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). A republicação é uma parceria com o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS). Roberto Villar Belmonte é professor de Jornalismo no Centro Universitário Ritter dos Reis e membro do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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