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Biodiversidade

Quarta-feira, 10 de Julho de 2013

 
     

Barata, para que te quero?

  

Para biólogo da UFRGS falar sobre a utilidade dos organismos é uma visão antropocêntrica porque como espécie todas têm o direito de existir

  

Reprodução USP    
Na exposição Planeta Inseto do Instituto Biológico da USP, elas são estrelas


Por Aline Bernardes e Gabriela Sanseverino*

 

Surgiram há 300 milhões de anos, ainda no período Carbonífero e são mais de 4.500 espécies ao redor do planeta. Esta é a ordem Blattaria, que representa na divisão da Biologia as nossas arqui-inimigas, as baratas. É difícil quem fale nesse inseto sem fazer cara de nojo. A reação mais comum quando avistamos uma delas, depois de gritos e esperneios, é a de matá-las. Mas elas são muitas e sobreviveram até mesmo à erradicação dos dinossauros.

As espécies sinantrópicas, ou seja, que vivem perto dos seres humanos, no caso da América, são a Periplaneta americana e a Periplaneta australasiae, que apesar do nome não são originárias nem dos Estados Unidos, e nem da Austrália. Acredita-se que elas tenham surgido na África e na Ásia, respectivamente. Hoje essas baratas já estão modernas, são cosmopolitas, e "aterrorizam" as pessoas no mundo todo. De hábitos noturnos, amantes do clima tropical e se alimentando de absolutamente tudo, se hoje esses insetos se proliferam com tanta abundância, a culpa é nossa, afinal, produzimos um ambiente extremamente favorável para elas.

E afinal para que servem as baratas? Qual é a utilidade delas? O biólogo Nicolás Mega do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) esclarece: "Falar sobre utilidade dos organismos é uma visão um tanto quanto antropocêntrica ao imaginarmos que os bichos só possam existir se tiverem uma finalidade para os humanos. Em algum momento da história evolutiva elas surgiram e se adaptaram àquele contexto ambiental. Como espécie elas têm o direito de existir, não precisam ser exatamente úteis".

Quem tem verdadeiro pavor delas pensa diferente. A razão do pânico da dona de casa Ângela de Souza Augusto, é, "porque elas sobreviveram a uma bomba nuclear de tão fortes que são". Na verdade, essa história é lenda urbana. Isso, porém, não significa que não sobreviveriam a um holocausto nuclear. De acordo com o biólogo Nicolás Mega, a fisiologia interna e o poder de regeneração desses bichinhos tornariam isso possível.

A estudante de Publicidade e Propaganda, Juliana Moreira, sabe que o insetinho que lhe causa tanto asco tem seis patas, duas antenas e é praticamente cega. Ela também conhece um pouco os hábitos de convívio das barata, mas isso não significa que perdeu o medo. "Sei também que elas nunca estão sozinhas. Achei fofo, mas assustador. Quer dizer que, se eu encontro uma barata em casa, eu vou achar a família dela? Não gostei" diz a estudante. Elas realmente vivem em grupo, mas não em sociedades como as formigas. Diferentemente das abelhas, em que só a abelha-rainha reproduz, entre baratas não há essa hierarquia. Vivem em um sistema democrático, todas têm o direito de ser mamães.

A gritaria rola solta no momento em que se tem que encarar a barata cara a cara. A estudante de Administração, Luísa Latorre, diz que pula, sai correndo desesperada ou sobe em algum móvel pra se afastar o máximo possível das malvadas. "Grito para alguém vir me salvar da situação porque tenho tanto medo que não consigo nem chegar perto para matá-la". Há, porém, quem seja corajoso o suficiente para enfrentar as inimigas recorrendo aos inseticidas.

Esses produtos, entretanto, que nos permitem matá-las a distância, deveriam ser evitados. Os inseticidas deixam resíduos que podem ser prejudiciais à nossa saúde causando principalmente problemas no fígado e no aparelho digestivo. Além disso, o uso deles só deixa as baratas mais resistentes. "Em um primeiro momento quando aplicamos um desses produtos, aqueles bichos ali acabam morrendo, mas dentro da população das baratas têm algumas que são mais fortes do que outras, essas sobrevivem e reproduzem. Essa característica de ela ser resistente ao inseticida passa para os filhos e isso se perpetua na população. Então quanto mais inseticida usarmos, mais resistentes elas se tornarão" explica o biólogo Nicolás Mega.

Mas quando se trata de quem odeia baratas, saber que isso as torna mais fortes ou, que, como seres vivos elas são parte importante do ecossistema, não adianta muito. Laura Becker, estudante de Jornalismo confessa: "eu sei que elas são importantes para o planeta, mas isso não muda o meu pavor". A fobia de barata tem até um nome especial: Catsaridafobia ou Katsaridafobia. É um dos medos mais comuns no mundo, especialmente entre as mulheres, e geralmente acontece depois de algum trauma envolvendo os bichinhos.

As baratas como se sabe, são onívoras, comem tanto alimentos de origem vegetal quanto animal. Elas podem sim comer cabelo, cílios e até mesmo gente. Só que isto é pouco provável. Acontece em situações rarírrimas e só se você estiver bem sujinho. Seria possível afirmar que elas prestam um serviço aos seres humanos ao limpar as pequenas sujeiras que deixamos por aí e também ao desentupir os canos gordurosos. O poder de adaptação das baratas, aquele que garantiu que elas enterrassem até mesmo os dinossauros, é justificativa o suficiente para que a maioria das pessoas tenham a plena certeza de que elas são seres do mal. Para cientistas e biólogos, é exatamente o contrário. Devido à ótima fisiologia interna, as baratas são organismos modelos de desenvolvimento de células em centro de pesquisas do mundo todo.

Será que haveria alguma maneira de se livrar delas sem envolver morte? A bióloga Viviane Alves de Avelar, responsável técnica de uma empresa de dedetização, acredita que não. Segundo ela "o controle de baratas deve ser realizado para evitar a contaminação dos seres humanos por microorganismos patogênicos por elas veiculados". Isto é, segundo Viviane não temos outra opção se não matar esses insetos que invadem as residênciais. Elas trazem doenças para os seres humanos que podemos evitar ao eliminar as baratas.

Já o biólogo Nicolás Mega revela que evita matá-las. Quando as baratas aparecem em casa, ele tenta de todas as formas levá-las para o lado de fora. O biólogo admite que, por viverem em ambientes insalubres, como o esgoto, esses bichinhos podem sim disseminar bactérias patológicas. Elas não são vetores de doenças específicas, como os ratos que são transmissores de leptospirose, mas carregam em suas patas e em seu exoesqueleto bactérias que podem contaminar os seres humanos. Para evitar, então, que as baratas coabitem sua casa, é preciso mantê-la limpa, não criando um ambiente favorável para o aparecimento desses insetos. Deixar os alimentos sempre protegidos e bem fechados também ajuda.

Será que seria possível existir um mundo sem baratas? O biólogo Nicolás Mega explica que é pouquíssimo provável. Essa hipótese aconteceria apenas em um cenário apocaplítico. Se chegasse o dia em que todas as baratas sumissem da Terra, elas seriam substítuidas por um equivalente ecológico. Como foi o caso dos dinossauros, que depois de erradicados tiveram seu lugar ecológico tomado pelos grandes grupos de mamíferos.

Situação que é tão provável quanto uma invasão alienígena ou o apocalípse zumbi. Afinal, se as baratas estão presentes em praticamente todo o planeta Terra, é porque o homem possibilitou isso com sua sujeira. A forma mais provável de eliminação de todas elas seria a eliminação do próprio ser humano. Considerando, entretanto, que as baratas existem há 300 milhões de anos e nós há apenas 100 mil anos, é mais conveniente aprendermos a manter os ambientes limpos do que pensar em acabar com todas elas.

Estrelas de Hollywood

Se os filmes nos ensinaram alguma coisa sobre baratas, é que elas também podem ser amigas. No filme Wall-E (2008), o solitário robô abandonado na Terra tem apenas uma amiga, uma baratinha que lhe faz companhia. Quem também fez amizade com elas foi Joe, no filme Joe e as Baratas (1996). Ele se muda para um apartamento em Nova York e é obrigado a dividi-lo com cinquenta mil baratas. Joe pode ter resistido a presença delas no inicio, mas logo ele e as baratinhas se tornam melhores amigas.

Além de boas companheiras, as baratas também aparecem como seres úteis no cinema. No filme Monstros vs. Alienigenas (2009), o cientista maluco  Dr. Baratas é o monstro brilhante do grupo que ajuda a salvar o mundo em uma invasão de extraterrestres. Já em Encantada (2007), a princesa Giselle, banida para Nova York por uma bruxa má, convoca os bichinhos que moram na cidade para ajudá-la a arrumar a bagunçada casa de Robert, advogado que a acolheu quando estava perdida.  As baratas, juntamente com ratos e pombas, atendem prontamente seu pedido e auxiliam Giselle na hora de lavar a louça e limpar o banheiro.

Em Vida de Inseto (1998), as baratas aparecem como garçons e como músicos em um bar dos insetos. A música que elas cantam é exatamente La cucaracha (a barata em espanhol), que surgiu durante a Revolução Mexicana no início do século 20. O termo era também utilizado no México para se referir ao cigarro de maconha.

O nojo que temos pelas baratas também foi utilizado para torná-las o centro das atenções em Hollywood. Em MIB - Homens de Preto 1 (1997), os agentes J. e K. que fiscalizam os extraterrestres que vivem na Terra, precisam enfrentar um terrorista intergaláctico que tem uma estreita relação com as baratas, tornando-as assim, também inimigas. No filme, há uma popular cena do agente J. pisando desesperadamente nelas. Em Baratas Assassinas (1998), elas aparecem novamente como inimigas dos humanos, quando tomam conta de uma pequena cidade e um grande caçador precisa salvar os moradores.

A cena de filme, contudo, que mais chocou aqueles que odeiam elas foi quando em O Beijo do Vampiro (1988) Nicolas Cage comeu uma barata viva. Se a maioria das pessoas odeia ver uma barata em qualquer canto de casa, imagina no prato.

Marcando presença na literatura

Não é só em Hollywood que elas são populares. Nos livros as baratas já foram personagens principais e serviram até mesmo como fator desencadeador de reflexão sobre a vida. Já imaginou umdia acordar igual a um inseto? É o que acontece com o caixeiro-viajante Gregor Samsa no livro A Metamorfose (1915) de Franz Kafka. Apesar de não ser esclarecido pelo autor em nenhum momento da obra, tudo indica que o bicho em que o personagem principal havia se transformado era em uma... barata!

Parece que o terror de avistar uma barata pode colocar muitas mulheres a refletir sobre a própria existência e a busca de identidade. Na obra intimista de Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H. (1964), a personagem principal, uma mulher bem sucedida, se vê diante de uma barata e depois de matá-la, passa um processo de reflexão e de busca de identidade.

Quem passa por situação parecida é Dulce em Só as Mulheres e as Baratas Sobreviverão (2009) de Cláudia Tajes. A protagonista do livro está se preparando para um encontro e quando sai do banho vê uma barata descansando em cima do seu vestidinho preto básico. É então que, escondida no closet, Dulce reexamina a própria vida enquanto pensa no resultado de uma hipotética batalha final travada entre mulheres e baratas.  

Até em livro infanto-juvenil as baratas são sucesso. Em Dona Baratinha (2004) de Ana Maria Machado, a personagem principal encontra uma moeda de ouro e acha que pode se casar. Então ela se arruma e vai para a janela procurar um novo. Ela escolhe o ratinho para se casar, mas como no dia do casamento ele não aparece na igreja, Dona Baratinha resolve pegar o dinheiro e sair para se divertir.
 

Na panela e no prato

Mas não é só no Oriente que as baratas são comida. Infelizmente esse inseto nada adorado está presente em todo o chocolate que a gente come. É nojento, mas é verdade. De acordo com o Food and Drugs Administration (FDA), uma barra de chocolate comum contém oito resíduos de baratas e, um pedaço de apenas 100 gramas tem cerca de 60 vestígios de diversos insetos.

Curiosidade pet

Já imaginou ter uma barata de bichinho de estimação? Pois é, nas lojas de animais americanas é possível encontrar para vender as Baratas Gigantes de Madagascar. Elas são dóceis e fáceis de serem cuidadas, podendo viver entre dois e três anos (uma vida muito longa para um inseto!). Essas baratinhas podem ficar dentro de aquários e sua única exigência é ter um local escuro para se esconder. Comem frutas, vegetais e até ração de cachorro. Se para nós ocidentais barata não parece um prato lá muito apetitoso, na China, na Tailândia e em outros países asiáticos eles devem pensar diferente. Lá é possível achar o inseto no menu dos restaurantes. No mercado de Chatuchak, em Bagkok na Tailândia, se encontra inclusive barraquinhas especializadas na venda de comidas tailandesas feitas com barata. Enquanto isso, no Mercado Noturno de Donghuamen, em Beijing na China, há barracas que vendem baratas fritas, jogadas no óleo ainda vivas.

* Alunas da disciplina de Jornalismo Ambiental da Fabico/UFRGS. O trabalho teve a orientação da Professora Dra. Ilza M. T. Girardi e do doutorando Carlos Dominguez.

 

 

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