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Rio+20

Sexta-feira, 27 de Abril de 2012

 
     

Rio+20: Sem confiança na ONU, sociedade civil constrói cúpula paralela

  

Expectativa é que milhares de pessoas se reúnam na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro, para defender outro modelo de desenvolvimento e rechaçar a proposta da Economia Verde que será defendida no evento oficial das Nações Unidas.

  


Por Raquel Júnia - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

O Aterro do Flamengo, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, abrigará em junho vários acampamentos e atividades com uma finalidade comum: questionar o atual modelo de desenvolvimento, que tem levado o mundo a uma crise ambiental, e mostrar as contradições das novas propostas até então defendidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para solucionar o problema. Movimentos sociais,redes e entidades brasileiras e internacionais têm se reunido há mais de um ano para organizar a Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, que será realizada paralelamente ao evento oficial da ONU - a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável Rio+20.

O quadro até agora revelado mostra um alinhamento de vários governos de todo o mundo, inclusive o brasileiro, com a ideia de Economia Verde, conceito defendido pela ONU que reúne práticas de financeirização dos recursos naturais, e é enfatizado dezenas de vezes no Esboço Zero do documento final da Rio+20. É a partir dessa constatação que a Cúpula dos Povos tem ganhado força. Você, leitor, já deve estar confuso com tantos conceitos, siglas e nomes de eventos. Mas fique tranquilo, já vamos esclarecer.

A Rio +20 será realizada em junho de 2012 e acontece 20 anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como ECO 92, também realizada no Rio de Janeiro, e dez anos após outra conferência - a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável - realizada em Joanesburgo, na África do Sul. A Rio +20 deveria avaliar a implementação das políticas definidas pela ECO 92, mas, conforme relata o ativista boliviano Pablo Solon, essa proposta foi perdendo espaço nas reuniões da ONU. "Quando foram iniciadas as negociações, há dois anos, todos os representantes dos países concordavam que o evento deveria avaliar o quanto se havia avançado e como cada país havia conseguido concretizar cada um dos pontos da Agenda 21. Além disso, a Rio+20 deveria propor medidas de ação para fortalecer essa Agenda. Entretanto, nesses dois anos, vários países, a União Européia e a própria Secretaria das Nações Unidas pressionaram para que a Economia Verde fosse incluída no documento da ONU", conta.

A Economia Verde foi tema de uma reportagem especial na edição nº20 da Revista Poli, que mostrou como pesquisadores, movimentos sociais e entidades ambientalistas têm interpretado essa proposta à luz da observação de mecanismos já colocados em prática atualmente, como os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), cujo comércio mais expressivo é o de créditos de carbono. Apesar de inúmeras constatações e projeções do que pode significar a Economia Verde, as Nações Unidas ainda não apresentaram uma definição clara do conceito, conforme afirma Solon. "Na negociação das Nações Unidas, os defensores da Economia Verde dizem que ela é tudo - a separação do lixo, as vendas de carbono, a indústria limpa, tudo é Economia Verde. Mas estamos exigindo que se defina exatamente o que é porque não podemos assinar um cheque em branco", protesta.

Solon foi representante da Bolívia nas discussões da ONU e acompanhou de perto os arranjos dos países para as propostas que serão defendidas na Rio+20. De acordo com ele, apesar de parecer que existe um consenso em torno da Economia Verde, sobretudo pela ênfase com que o tema aparece no documento da ONU, muitos países ainda têm dúvidas sobre essa proposta, embora a postura das Nações Unidas seja praticamente de imposição do tema.

O documento da ONU a que se refere o ativista boliviano é o chamado "Esboço Zero", divulgado em janeiro de 2012. Por mais estranho que possa parecer, antes mesmo da Rio+20 acontecer já existe um rascunho do relatório final da Conferência, que deverá ser aprovado pelos países. No texto, a Economia Verde aparece quase cem vezes. "O termo Economia Verde foi adotado no início de 2010, simplesmente como tema para ser discutido na Rio+20. E como houve muita controvérsia, o conceito foi reformulado como ‘Economia Verde no marco de desenvolvimento sustentável'. Não foi somente Economia Verde porque havia muito temor. Mas agora é o tema central da Rio+20 e já temos um programa, uma agenda, um marco institucional, indicadores, metas, ou seja, um conjunto de mecanismos para dar seguimento à Economia Verde. O desenvolvimento sustentável passou a ser simplesmente algo enunciativo, todos os mecanismos que estão sendo discutidos têm a ver com a Economia Verde", explica o ativista boliviano.

Solução em três dias?

A Rio+20 será realizada de 20 a 22 de junho deste ano, com atividades concentradas no Riocentro, um grande espaço destinado a eventos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Participarão da Conferência, chefes de estado de todos os países-membros da ONU, organizações e pessoas da sociedade civil que fazem parte dos chamados Major Groups, além de todas as entidades que compõem o Sistema ONU e outros convidados. Os dois temas em foco na Conferência são ‘a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza' e ‘o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável'.

Para Lúcia Ortiz, coordenadora internacional do programa Justiça Econômica - Resistindo ao Neoliberalismo da ONG Amigos da Terra, uma das organizações que apóiam a realização da Cúpula dos Povos, a Rio+20, assim como outros eventos patrocinados pela ONU, não será um espaço democrático. "Não existem cláusulas de negociação, não há o que negociar em três dias numa Conferência dessas, com o Esboço Zero que já está pronto e com a implementação da Economia Verde já sendo feita a toque de caixa. O processo de negociação desses acordos é absolutamente falho, não é transparente e é ínfimo nos termos de tempo de negociação e de amadurecimento. É uma imposição deum falso consenso e um abafamento das críticas e das alternativas que se impõem", critica.

Outro questionamento de vários movimentos sociais diz respeito ao papel que as grandes empresas exercem dentro das Nações Unidas, segundo eles, com um peso muito maior do que o dos próprios países. Em janeiro, foi realizado em Porto Alegre, nos dias que antecederam o Fórum Social Temático, o seminário Rumo à Rio+20: por uma outra economia, que reuniu várias das organizações que estão construindo a Cúpula dos Povos para debater o que estará em jogo na Rio+20. Durante o Seminário, ganhou força o protesto contra o que foi chamado de "captura corporativa da ONU".

"Nós temos visto o quanto os espaços da ONU, apesar de tão essenciais para o multilateralismo e para acordos que têm que ser globais, tem sido capturados pelas corporações e pelos interesses do lucro e do capital cada vez de forma mais explícita e sem constrangimento. Essa captura corporativa é algo que impede que hoje a ONU represente os anseios dos povos, porque os próprios governos nacionais estão capturados pelas corporações que os financiam e não conseguem responder às crises", diz Lúcia. "O Estado não está mais se dando o papel de gestor e de assegurar os direitos conquistados, ele está assumindo o papel de mediador de contratos, como se fosse uma agência reguladora entre o mercado, o meio ambiente e as populações", complementa. Segundo Lúcia, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), realizada em Copenhague, em 2009, a delegação oficial do Brasil, responsável por negociar os assuntos de interesses do país na Conferência, incluía representantes de empresas como a Coca-Cola e a Vale.

Camila Moreno, coordenadora de Sustentabilidade da Fundação Heirich Böll, que também participou do Seminário, explica como a ONU, os países e as corporações têm preparado o terreno para a Economia Verde. Segundo ela, desde 2006, todas as agências da ONU consolidaram informes sobre o tema. Ela explicou que, da mesma forma, os principais bancos, os think-thanks corporativos (agências que forjam o pensamento corporativo e atuam em fortes setores de lobby) e as organizações que Camila chamou de "ONGs de mercado", além das consultorias, estão construindo as bases para o capitalismo verde.

"Essas consultorias estão atuando não apenas para empresas, mas também para países. No Brasil, a consultoria McKinsey & Company foi a que mostrou o plano de desenvolvimento de baixo carbono para o país. Todos os agentes públicos que eu pude assistir em 2008 e 2009 fazendo apresentações - ministérios da Fazenda, do Meio Ambiente e do Planejamento - usavam os slides dessa consultoria. Quem pagou essa consultoria para o Brasil foi o príncipe Charles [da Inglaterra].A McKinsey & Company também foi a principal formuladora de políticas públicas na Guiana, na Indonésia, na Bacia do Congo, viajou o mundo inteiro", relata.

Para Ivo Lesbaupin, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), entidade que também coordena a Cúpula dos Povos, as políticas dos governos e da ONU, pautadas pelas corporações, são muito falhas no combate às causas da crise ambiental. "Por mais que a consciência sobre a gravidade da crise ecológica esteja ano a ano maior, com os cidadãos mais conscientes que esses eventos extremos que estão ocorrendo de forma cada vez mais letal são frutos desse processo de devastação, os governos parecem que não estão no meio desses cidadãos e não tomam sequer um décimo das providências que os cidadãos acreditam que eles deveriam tomar para interromper esse processo", comenta.

Lúcia Ortiz descreve o peso que a Rio+20 pode ter para a recuperação do sistema capitalista. "Disfarçada de uma agenda ambiental, a Rio+20 traz uma agenda política muito importante. Podemos fazer uma comparação com os ajustes estruturais neoliberais que aconteceram na década de 1990. Naquela época, se formou o famoso Consenso de Washington, para liberalizar os serviços públicos e colocar em curso todos os processos de privatização que nós vimos nas décadas de 1990 e 2000. E agora que o capitalismo está em crise, ele tenta se inovar e forjar novas formas de acumulação que precisam dos Estados, das políticas públicas e de leis para oferecer novas fronteiras de acumulação, fronteiras que estão em grande parte no meio ambiente. A Economia Verde consiste em ‘comodificar' (tornar uma commodity), tornar papel moeda, todos os componentes da natureza, seja a biodiversidade, a água ou o carbono", diz.

A desconfiança com as negociações oficiais da Rio+20 também é compartilhada por outras organizações que coordenam a Cúpula dos Povos e apostam nas soluções construídas pelos próprios movimentos sociais. "Nós temos muita descrença no processo ONU, achamos que ele está completamente capturado pelos interesses do capital, principalmente do capital financeiro, lamentavelmente. Então, nosso esforço concretamente está na construção da Cúpula dos Povos", reforça Luis Zarref, representante da Via Campesina.

Rumo à Cúpula dos Povos

A organização da Cúpula dos Povos é coordenada pelo Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 (CSCF), que tem assento na Comissão Nacional para a Rio+20 e também é considerado pelo evento oficial da ONU como grupo de articulação local. Participam da coordenação do CSCF, 27 entidades, redes e movimentos sociais. Embora muitas organizações que compõem o CSCF não apostem suas fichas no evento oficial da ONU, algumas participarão também da Rio+20. Outras entidades que não são parte oficialmente do Comitê Facilitador também estão ajudando a construir a Cúpula dos Povos. O texto de convocatória para o evento, divulgado pelas organizações, critica justamente a falta de efetividade das políticas da ONU. "Nestas duas décadas, a falta de ações para superar a injustiça social ambiental tem frustrado expectativas e desacreditado a ONU. A pauta prevista para a Rio+20 oficial - a chamada Economia Verde e a institucionalidade global - é considerada por nós como insatisfatória para lidar com a crise do planeta, causadapelos modelos de produção e consumo capitalistas", diz o documento.

A Cúpula dos Povos será realizada de 15 a 23 de junho, no Aterro do Flamengo, o mesmo local onde a sociedade civil também realizou várias atividades durante a ECO 92, no chamado Fórum Global. A programação do evento inclui atividades organizadas por movimentos sociais do Rio de Janeiro a fim de dar visibilidade a processos de resistência na cidade, além da realização de grupos de discussão autogestionados e um espaço de confluência denominado de Assembleia Permanente dos Povos, que começará no dia 18 e vai até o final do evento. Haverá ainda outro espaço, que está sendo chamado de Território do Futuro, para organizações e movimentos sociais apresentarem experiências e projetos concretos de construção de outros modelos e práticas políticas, sociais e econômicas. O dia 20 de junho será considerado o Dia de Mobilização Internacional, quando serão incentivadas manifestações em todo o mundo. "Decidimos ter a última palavra, por isso a Cúpula dos Povos irá até o dia 23 de junho, um dia depois do final da Rio+20", comenta Fátima Mello, da Fase - Educação e Solidariedade, uma das organizações que está construindo a Cúpula dos Povos.

Para Lúcia Ortiz, embora não haja o que negociar na Rio+20, há o que denunciar dentro do evento oficial. "A estratégia dentro das negociações é de monitorar, nomear, reconhecer, explicitar os agentes de lobby e de captura corporativa que estão atuando lá de forma explícita. E ao mesmo tempo cobrar da ONU: o que tem acontecido com as convenções desde 1992? O que aconteceu na Convenção sobre Diversidade Biológica em Nagoya [Japão]? A Convenção só se destravou porque os países em desenvolvimento foram os que assumiram a grande carga e aceitaram a métrica da mercantilização da biodivesidade", diz.

Já na Cúpula dos Povos, Lúcia reforça que a proposta é dar visibilidade aos vários enfrentamentos a esse modelo de desenvolvimento que já está acontecendo no mundo e aportar com outras soluções. "Vamos ver o mundo real, porque a retórica desses acordos está fora da realidade. Vamos nos solidarizar com as lutas do mundo inteiro - vamos unir a luta contra Angra com a luta contra Fukushima [usinas nucleares], e ainda com Belo Monte [usina hidrelétrica]. Estamos trazendo a experiência do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências porque num mesmo território existe o enfrentamento à mineração, à privatização da água, ao avanço das monoculturas. Na ECO 92, ONGs e movimentos sociais nos reconhecemos e agora já sabemos trabalhar juntos. Essa é a tônica de toda a programação e da metodologia da Cúpula dos Povos. Queremos desafiar os nossos governos a escutar essas soluções", completa Lúcia.

A Via Campesina fará um acampamento na região onde acontecerá a Cúpula dos Povos, com a previsão de duas mil pessoas acampadas. Estão previstos também acampamentos quilombolas, indígenas, da juventude e de outros movimentos sociais. "Acreditamos que de dentro da Cúpula oficial não sairá nada interessante para os povos, por isso, temos que manter uma Cúpula forte, com diversidade, mas caminhando para a unidade. Faremos ações contundentes de denúncia porque o Brasil hoje é um exemplo muito claro das várias contradições desse modelo de desenvolvimento. Nós temos um código florestal que está sendo destruído, temos o avanço de Belo Monte sobre as comunidades indígenas, além de comunidades sendo despejadas no Rio de Janeiro e em são Paulo. Todos os conflitos que estão acontecendo no mundo têm síntese aqui no Brasil. Este é o momento de visibilizarmos essas contradições e aumentarmos a unidade das lutas internacionais", salienta Zarref.

De acordo com Sandra Quintela, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), foi decidido coletivamente que a Cúpula será um evento independente e estará fora da Rio+20. Ela explica que na Cúpula haverá momentos de informes das organizações que tiverem representantes dentro do evento oficial para que repassem o que estiver acontecendo. "Estamos querendo trabalhar análises comuns numa grande Assembleia dos Povos para discutir quais são as causas estruturais da crise do capital hoje, quais são as novas formas de acumulação do capital, o que ele está criando para se reproduzir e quais são as verdadeiras soluções apontadas pelos povos", ressalta Sandra.

O slogan da Cúpula dos Povos é 'Venha reinventar o mundo!'. Segundo o comitê organizador do evento, as corporações não terão espaço no local onde ocorrerão as atividades. Inclusive, estão sendo pensadas soluções como a compra direta de alimentos da agricultura familiar para a alimentação dos participantes. As experiências brasileiras e de outros países que já apontam para outro modelo de desenvolvimento serão apresentadas na Cúpula dos Povos. "Nós queremos mostrar que é possível organizar outro tipo de sociedade que será muito melhor do que essa que está destruindo as condições de sobrevivência da humanidade na terra. Há exemplos concretos em todos os países do mundo, seja na agricultura com agroecologia, na construção de casas e de edifícios, na geração de energia. Por exemplo, toda a tecnologia da convivência com o semi-árido aqui no Brasil, que mostra que não precisamos transpor o Rio São Francisco. Queremos mostrar que embora essas experiências ainda sejam localizadas, elas podem ser difundidas", diz Ivo Lesbaupin.

EPSJV/Fiocruz/EcoAgência

  
  
  
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Autorizada a reprodução, citando-se a fonte.
 
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