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Bioma Pampa

Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016

 
     

Soja, silvicultura e mineração pressionam biodiversidade e economia do Pampa gaúcho

  

Área mais bem conservada do Pampa, região das guaritas, na Serra do Sudeste, vem sendo alvo de interesse de grandes mineradoras, abrindo debate sobre qual melhor modelo de desenvolvimento para o esse território. 

  

Eduardo Vélez    


Por Marco Weissheimer, Sul 21

Há cerca de 20 anos, quase ninguém dava muita atenção ao Pampa gaúcho, apesar dessa região ocupar 63% do território do Rio Grande do Sul. Essa situação começou a mudar em 2004, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) delimitou os seis biomas brasileiros. De lá para cá, a região passou a frequentar mais o vocabulário da população, mas também passou a ser objeto da pressão de atividades econômicas como a agricultura tradicional, especialmente a cultura da soja, a silvicultura e, mais recentemente, a mineração. Hoje, em termos relativos, o Pampa é o segundo bioma mais degradado do Brasil. “Se somarmos os efeitos do avanço da agricultura e os da silvicultura, a preocupação é muito grande. Não é alarmismo”, diz o biólogo Eduardo Vélez, em entrevista ao Sul21. Doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Vélez aponta como essas ameaças se materializam na região:

“Se andarmos em uma fazenda, não importa se pequena ou grande, onde há pecuária em campo nativo, a gente vê que tem perdiz, gaviões, tatu e uma série de animais que só estão ali por causa da presença da vegetação nativa. Você não encontrará essa biodiversidade em uma área de silvicultura ou soja”. Assinala. Para o biólogo, quem defende uma perspectiva ambientalmente correta para o Pampa entende que, ao invés de ficar investindo na agricultura tradicional e na silvicultura, nestas áreas de campo nativo, se deveria qualificar a pecuária em campo nativo e investir em uma área que tem um potencial ainda inexplorado: o turismo ecológico e histórico. Esse debate sobre qual o modelo de desenvolvimento mais apropriado para o bioma está sendo travado agora na região mais bem conservada do Pampa gaúcho, a Serra do Sudeste, alvo de vários projetos de mineração.
 
Sul21: Como nasceu seu interesse pelo bioma Pampa como objeto de pesquisa?
Eduardo Vélez: Eu me dedico há muitos meses com pesquisas na área da biodiversidade, com uma preocupação especial com os ecossistemas que são característicos do Sul do Brasil. Nos últimos anos, decidi me dedicar mais aos campos nativos e, em especial, ao Pampa. Há cerca de 20 anos, quase ninguém falava do Pampa. O tradicionalismo usava um pouco a palavra “pampa”, mas não havia um espaço geográfico definido como tal. Passamos a reconhecer o Pampa como uma delimitação geográfica específica a partir do mapa do IBGE de 2004 que delimitou os seis biomas brasileiros. A partir daí, o Pampa passou a entrar na agenda nacional. O próprio Ministério do Meio Ambiente tratava o Pampa, até então, como uma parte da Mata Atlântica. Após o mapa do IBGE, passou a tratar a região como um espaço diferenciado no território nacional, com uma fauna, uma flora e um ecossistema típicos, muito parecido com o que existe no lado uruguaio e em parte da Argentina, e diferente do que existe em todo o restante do Brasil.

Sul21: O que o Pampa representa em termos de território do Rio Grande do Sul?
Eduardo Vélez: Ele ocupa cerca de 63% do território do Estado. É toda metade Sul, mais um pedaço da Fronteira Oeste, subindo para as Missões. Nestas regiões, as florestas são menos predominantes. O Rio Grande do Sul tem uma parte que é florestal, da Mata Atlântica, e uma parte campestre, que nunca foi floresta. Tem floresta em todo o Pampa, mas como um elemento minoritário. Talvez seja por isso que, ao longo da história, o Pampa não tenha despertado tanta atenção como tem no presente. O que se sabia, de modo geral, é que lá havia muitas fazendas com criação de gado, mas não tinha a opulência das florestas. Não havia o apelo da madeira e do desmatamento que ocorreu na metade norte do Estado, onde as florestas foram dizimadas. Nesta região, houve um boom de madeireiras que acabou com a floresta de araucária, com a floresta estacional e com a Mata Atlântica propriamente dita, que hoje sobrevive em áreas do Litoral norte do Estado.
Essa tendência comum no Brasil de achar que natureza é igual a floresta acabou prejudicando a tomada de consciência em relação ao Pampa. De 2004 para cá, porém essa tendência tem sido revertida. Hoje, temos o Dia do Bioma Pampa e há toda uma preocupação social com essa região, entendendo a sua singularidade e que o campo nativo é um ecossistema tão importante quanto as florestas. Muita gente tem dificuldade em dar um valor estético ao campo, pois parece que é tudo grama. Só que, quando os botânicos examinam um metro quadrado de campo, acham 30 ou 40 espécies, ao contrário de uma grama plantada que tem uma espécie só. É uma biodiversidade que parece ser invisível.

Sul21: Quais são as principais ameaças que o Bioma Pampa enfrenta hoje?
Eduardo Vélez: O Pampa sofre duas grandes ameaças em termos de área: a febre de plantar soja em tudo que é lugar e a silvicultura. A soja tem feito muito mal ao Pampa nos últimos anos. A região tem sido uma fronteira de expansão dessa cultura que tem avançado não só sobre áreas onde havia arroz, mas também sobre áreas de campos nativos. Estão plantando soja inclusive em áreas de pouca aptidão para essa cultura. Não uma oferta de água constante nesta região ao longo dos anos. Por isso, às vezes uma região do Pampa apresenta uma ótima produção e depois vem dois ou três anos com uma baixa produção. A segunda ameaça é a silvicultura que consegue entrar em áreas que a agricultura não entra. A agricultura de grãos exige um solo plano, com maior profundidade, enquanto a silvicultura consegue se desenvolver em solos ondulados e com menos profundidade.
Se somarmos os efeitos do avanço da agricultura e os da silvicultura, a preocupação é muito grande. Não é alarmismo quando se critica os grandes projetos de expansão de silvicultura no Pampa. Há duas coisas a serem consideradas aqui. A primeira é que essa região é hoje, em termos relativos, o segundo bioma com maior grau de degradação no Brasil. O Pampa é pequeno, comparado com os demais biomas, mas se pegarmos a sua área total e calcularmos a proporção do que sobra de vegetação nativa em relação à área total ele é o segundo bioma que mais perdeu. O primeiro é a Mata Atlântica.
A segunda é que o Pampa tem uma matriz produtiva com grande grau de sustentabilidade, que é a pecuária em campo nativo. Essa pecuária é praticada em um campo que nunca foi plantado, onde as espécies estão adaptadas aquele ambiente e crescem independente de fertilização e semeadura. É um ativo que a natureza oferta de graça. Esse é um modelo de pecuária totalmente diferente daquela praticada no Centro Oeste e Norte do Brasil, onde é preciso derrubar florestas e plantar uma gramínea para ter comida para o gado. No Pampa, o gado come um pasto que já estava disponível antes da própria introdução do gado. Do ponto de vista ecológico, essa é uma forma de uso sustentável de vegetação nativa.
Se andarmos em uma fazenda, não importa se pequena ou grande, onde há essa pecuária em campo nativo, a gente vê que tem perdiz, gaviões, tatu e uma série de animais que só estão ali por causa da presença da vegetação nativa. Você não encontrará essa biodiversidade em uma área de silvicultura ou soja. Embora existam situações onde o excesso de lotação de gado é prejudicial, na média, temos um ecossistema nativo que está sendo conservado convivendo com produção econômica. Isso é um ativo que o Estado tem e não está aproveitando. Essa produção ecologicamente sustentável ainda não é diferenciada da outra pecuária que envolve desmatamento e outras práticas agressivas. Isso poderia inclusive agregar valor ao produto.
Há algumas pequenas iniciativas neste sentido como o projeto da Alianza del Pastizal, primeira iniciativa regional sulamericana para a conservação dos campos nativos, que já tem um selo para a identificação da carne vinda dessas áreas. Mas isso ainda não é explorado em escala. Quem defende uma perspectiva ambientalmente correta para o Pampa entende que, ao invés de ficar investindo na agricultura tradicional e na silvicultura, nestas áreas de campo nativo, se deveria qualificar a cadeia produtiva da carne produzida no Pampa, conseguindo vantagens diferenciadas de mercado com isso.

Sul21: Outra atividade econômica que está se desenvolvendo nesta área é a produção de vinhos. Na sua opinião, essa pode ser uma boa alternativa?
Eduardo Vélez: Tem se criticado muito a metade Sul e o Pampa como uma região economicamente atrasada. Em parte, essa visão do atraso esteja relacionada ao fato de que o Pampa nunca apostou na sua diversificação econômica. As culturas do vinho e das oliveiras estão começando agora a dar seus frutos. Essa diversificação econômica é importante, mas, do ponto de vista do que já tem escala na região, a principal aposta é mesmo a pecuária em campo nativo. Outra área que tem um potencial ainda inexplorado é o turismo ecológico que pode ser associado ao turismo rural e ao turismo histórico. Nós temos um fluxo enorme de argentinos que passam por essa região todos os anos e não param. Poderiam parar se houvesse uma rede de unidades de conservação, como ocorreu, por exemplo, na região do Itaimbezinho, com a estruturação do Parque Nacional de Aparados da Serra.

Sul21: Quais regiões do Pampa, na sua avaliação, tem um maior potencial turístico?
Eduardo Vélez: A região da Serra do Sudeste é uma delas. Esse território, com um relevo um pouco mais alto, é a região mais bem conservada do Pampa. É a região das guaritas, em Caçapava do Sul e Santana da Boa Vista, um território com muitos afloramentos rochosos formados há milhões de anos, onde se desenvolveu uma vegetação adaptada a essa condição. Temos muitos cactos, por exemplo, que só ocorrem nesta região.

Sul21: Essa área hoje está no meio de uma polêmica em função de um projeto de mineração de chumbo…
Eduardo Vélez: Sim. Essa área abrigou, durante muito tempo, a Companhia Brasileira de Cobre, criada por Getúlio Vargas, que hoje está desativada. Trata-se de uma região geologicamente muito rica com um alto potencial de mineração. Esse projeto da mineração de chumbo é uma espécie de porta de entrada para explorar esse potencial que abre um debate sobre o futuro da região: se ela vai virar uma grande área de mineração às custas do ativo ambiental que existe, ou se esse ativo ambiental vai ser priorizado, eventualmente convivendo com algum grau de mineração.
O que preocupa neste empreendimento é o tipo de exploração mineral que eles vão fazer, envolvendo elementos com grande poder de contaminação, especialmente o chumbo. Não se trata, na minha opinião, de estabelecer um veto absoluto a qualquer mineração na região, mas ela não pode comprometer o potencial ambiental gigantesco dessa área e tampouco oferecer risco de contaminação. O projeto desse empreendimento está descolado de uma visão de desenvolvimento ambiental da região e apresenta um grande potencial de contaminação. Vários pesquisadores encontraram, no EIA-RIMA do projeto, uma série de falhas e omissões de informações sobre o tratamento de resíduos, a qualidade das águas e outras questões.
Há quem defenda que a minha terá um impacto localizado numa determinada área. O território do qual estamos falando e que tem um enorme ativo ambiental é muito grande, abrangendo milhares de hectares. Os defensores do projeto dizem que a mina não resultará em uma ocupação física muito grande. O que preocupa, porém, é como pode se alastrar o potencial de contaminação. Se houver algum acidente com chumbo na beira do rio Camaquã, a contaminação atingirá uma área muito grande. Esse é o debate que precisa ser feito.
Outro tema importante diz respeito ao modelo de desenvolvimento. Existe um grande número de pecuaristas familiares nesta região que fazem uma pecuária de grande qualidade ambiental e vem obtendo ganhos de produtividade auxiliados pelo trabalho que a Embrapa Pecuária Sul, de Bagé, realiza. Há um sistema articulado de pequenos pecuaristas familiares que têm propriedades pequenas e médias. Eles também estão muito preocupados com a possibilidade de contaminação uma vez que vem trabalhando para diferenciar a carne que produzem como um produto ambientalmente diferenciado. Se houver algum risco de contaminação por chumbo, quem é que vai querer comprar essa carne? Então, esse projeto tem implicações econômicas e ambientais sérias para a região que hoje tem justiça social, com uma boa distribuição fundiária, e tem uma atividade que não usa agrotóxicos.

Sul21: As características geográficas e geológicas dessa região, que impuseram uma espécie de barreira à agricultura tradicional, parecem ter desempenhado um papel importante para o surgimento desse modelo alternativo de desenvolvimento…
Eduardo Vélez: Exatamente. Um debate similar está relacionado ao tema da silvicultura. Quando as empresas apresentaram, anos atrás, a ideia de expandir a silvicultura no Pampa surgiu um debate público que resultou, entre outras coisas, em um zoneamento da silvicultura. Foi uma experiência muito interessante do ponto de vista ambiental, definindo limites para a expansão da silvicultura em diferentes regiões do Estado, levando em conta a capacidade de oferta de água e os ativos ambientais de cada região.
No caso da Serra do Sudeste, temos um cenário de uso sustentável que está com pouco valor agregado. Poderia ser criada ali uma grande unidade de conservação federal, do tipo APA (Área de Preservação Ambiental) ou um refúgio de vida silvestre que pode manter a titularidade privada com indicações de uso. Poderia se pensar em alguns tipos de benefícios para os proprietários que decidissem dar essa destinação para suas terras. É possível, em resumo, criar nesta região uma indústria de turismo ecologicamente sustentável aproveitando todo o seu potencial ambiental.
Sul 21 / EcoAgência

  
  
  
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Autorizada a reprodução, citando-se a fonte.
 
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