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Terça-feira, 15 de Setembro de 2015

 
     

Pellini: o discurso contrário à prática

  

Em discussão “A crise da política ambiental do RS” na UFRGS, público presente e debatedores utilizam a rara oportunidade com a presença da Secretária da Seades para reivindicar o fortalecimento do Sisepra e a retirada do PL 300 de extinção da FZB

  

Eliege Fante - EcoAgência    
Leonardo Melgarejo, Paulo Brack, Rualdo Menegat, Maria Patrícia Mollmann e Ana Maria Pellini


Por Eliege Fante - especial para a EcoAgência

Diante de uma público perplexo – em sua maioria técnicos e graduandos nas ciências naturais – a Secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Seades, ex-SEMA/RS desde o Governo Sartori), Ana Maria Pellini, que é contabilista, fez um discurso que contraria a sua prática segundo o debatedor Leonardo Melgarejo, que preside a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a Agapan. Ela, acompanhada pela secretária adjunta Maria Patrícia Mollmann que é especialista em Direito Ambiental, participou do debate promovido pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados (ILEA-UFRGS), ontem (14), sobre “A crise da política ambiental do RS”. Participaram também os professores da UFRGS Paulo Brack do Instituto de Biociências e Rualdo Menegat do Instituto de Geociências.

Para a contabilista, a crise é no Sisepra, o Sistema Estadual de Proteção Ambiental, que “não está estruturado”. Ela citou diversas questões ambientais para justificar a sua interpretação: poluição dos rios da região metropolitana; maior consumo de agrotóxicos no RS; compactação do solo impedindo o abastecimento de águas subterrâneas; existência de 20 milhões de mudas para a compensação ambiental sem local definido para o plantio; falta de informações sobre disponibilidade hídrica; não cobrança de multas por crimes ambientais (cerca de R$ 30 milhões); atraso no preenchimento do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Leonardo Melgarejo, da Agapan, verbalizou a perplexidade que contagiava o público presente ao ouvir as palavras de Pellini. “Em relação às multas não cobradas perceba a nossa perplexidade porque se cabe ao Estado cobrar e ele demonstra surpresa pela não cobrança, isso parece mais o perdão de R$ 30 milhões e um estímulo ao crime ambiental,” disse. Ele argumentou que a problemática dos agrotóxicos e a poluição da água decorrem do modelo de agricultura estimulado pelo próprio governo. “O ‘esquecimento’ do Programa Estadual de Agroecologia contraria o seu discurso.”
“O Estado precisa de um plano de gestão ambiental e o fortalecimento dos instrumentos do Sisepra, a FZB é um dos principais. Mas a sinalização de esvaziamento da Fundação Zoobotânica vai contra essa sua preocupação de buscar transparência e credibilidade com apoio da sociedade”, disse sobre a crise ambiental que está enraizada no centro do governo. A evidência disso, segundo Melgarejo, é a omissão ainda na campanha eleitoral das propostas para a área do meio ambiente. E ainda, José Ivo Sartori (PMDB) foi o único candidato que não recebeu as propostas do movimento ambientalista.

Propostas
A prisão de dois ex-secretários de Estado do Meio Ambiente (Operação Concutare da Polícia Federal, tendo sido um deles Berfran Rosado, responsável pela pasta durante o fim da gestão de Pellini na Fepam em 2009 no Governo Yeda Crusius [PSDB]), cujo processo segue na Justiça Federal, também foi lembrada por Ana Maria Pellini. “Este sistema é tão difícil que só serve a quem quer oferecer facilidade. A gente brinca lá na Fepam, ‘sabe como funciona o sistema de proteção ambiental no RS? A gente atormenta, atormenta, atormenta as empresas até que elas vão embora poluir em outro lugar’”, disse. 

Pellini defendeu propostas para reverter a crise no sistema de proteção ambiental em duas linhas: a primeira administrativa e a segunda de atualização da legislação ambiental, sendo esta “atualização” entendida pelo público presente como desestruturação do Sisepra.

A simplificação é a marca das duas linhas. Da primeira, as propostas “administrativas” conforme definiu, são: produzir uma rotina de procedimentos de licenciamento ambiental a ser utilizada em nível de Estado e em nível de município; fazer uma reengenharia dos processos burocráticos através da criação de um protocolo unificado de licenciamento ambiental; investir em planejamento ambiental buscando patrocínios para a realização de zoneamentos.

Da segunda linha, a “atualização” da legislação ambiental visa eliminar a dita “insegurança jurídica” que vitima, segundo Pellini, tanto empreendedores quanto os próprios técnicos dos órgãos ambientais do Estado. Maria Patrícia complementou a fala da Secretária. Explicou que a crise no sistema de proteção ambiental ocorre no RS, em outros Estados e no País. Disse que a problemática ambiental citada por Pellini resulta dessa crise, a qual também decorre da complexidade do sistema jurídico já que a regulação é feita nos níveis nacional, estadual e municipal. “O demérito é causar insegurança jurídica. E a parte técnica é multidisciplinar então é um sistema bem difícil de fazer a gestão”, disse.

Melgarejo explicou as razões dessa complexidade jurídica. “A legislação federal dá o parâmetro para ser afinado nos Estados e nos municípios. Se o Estado manifesta a preocupação com a morosidade do licenciamento e tenciona que os municípios tomem a frente, vemos a presunção de que preocupação ambiental vai ser maior no local do empreendimento do que no Estado que é quem deve gerenciar o conjunto do investimento. O trabalho da Fepam com o mapeamento das zonas e potenciais serviços ecossistêmicos gera o conjunto das normas geridas pelo Estado, porque o poder de influência do empreendedor fica no município.”

O professor Paulo Brack citou o trabalho da FZB e da Fepam na construção de documentos referências para o trabalho dos técnicos dos órgãos ambientais do RS. “Já temos muitas definições, mas os governos ‘não sabem’ ou ‘não conhecem’. Por isso precisamos ter secretários de Meio Ambiente com formação na área,” disse ao citar o Mapa das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade do RS, a Avaliação Integrada da Bacia do Taquari Antas, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no RS e o Zoneamento Ambiental da Silvicultura.
“Nós queremos o fortalecimento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, e dos seus órgãos como a FZB com a retirada do PL 300 da Assembleia Legislativa. Queremos a garantia de respeito e não retaliação aos técnicos, o resgate da legalidade na gestão ambiental, a avaliação da situação ambiental do Estado, bioma Pampa e Mata Atlântica, a realização de estudos da capacidade de suporte dos ecossistemas frente ao crescente incremento sinérgico das atividades degradatórias,” reivindicou.

Para Rualdo Menegat a crise da política ambiental exige programas de gestão transversais em todos os órgãos do Estado, sistemas participativos de gestão dos temas públicos, resposta rápida aos problemas e soluções interdisciplinares, políticas de concertação de longo e médio prazo. Mas, o que temos, conforme definiu é um governo autoritário que ataca a ciência e o conhecimento através do projeto de lei 300/2015 que determina a extinção da Fundação Zoobotânica e está na Assembleia Legislativa. “Esse é um autoritarismo às avessas que resulta de um candidato sem programa e que agora no governo faz uso da tábua rasa da crise contábil para justificar a completa ausência de políticas públicas. Os seus verdadeiros propósitos são anular a autoridade do conhecimento simultaneamente com a gestão ambiental,” disse.

Posição sobre a FZB
A presidente da Associação Pró-Desenvolvimento do Museu de Ciências Naturais, bióloga Maria de Lourdes Abruzzi de Oliveira, leu ao público presente um documento reivindicando o “cumprimento das disposições contidas nas Constituições Federal e Estadual, na Política Nacional de Biodiversidade, na Deliberação do 530. da CONABIO que dispõe sobre as Coleções Biológicas, no Código Estadual do Meio Ambiente e em outros instrumentos legais no que se refere à manutenção e fortalecimento dos órgãos responsáveis pela pesquisa e gestão ambiental como forma de resguardar, com vistas à sustentabilidade, o patrimônio natural do Estado”.
O mesmo foi entregue à Secretária Pellini, que em resposta, disse que foi montado um grupo de trabalho encarregado de fazer um projeto de lei que substitua o 300/2015 e redefina as funções da FZB. “A Fundação Zoobotânica deveria rever suas atribuições em lei porque a lei de criação é muito genérica, muito frágil. Não é a primeira vez que se fala em extinção da FZB. A minha sugestão ao grupo foi que se refaça o papel da FZB, integrando-a mais, de maneira clara e na lei.” 

Poluição da CMPC Celulose
Moradoras de Guaíba, município vizinho à Porto Alegre, relataram o caos vivenciado desde a quadruplicação da planta da fábrica da CMPC Celulose. “A licença colocou a nossa vida em risco, todo dia temos um ruído ensurdecedor, não podemos nem abrir a janela devido à poeira e à fumaça tóxica. Desde maio fazemos todos os dias denúncia à Fepam e até agora nada mudou para nós. Houve até vazamento de gás dióxido de cloro. Quando a senhora vai cassar a Licença de Operação da CMPC?”, questionou uma delas.
A Secretária Pellini disse que esta “é uma das atividades mais difíceis de se criar equilíbrio ambiental junto com ela”. Disse também que a indústria está instalada em local inadequado (em plena orla do Lago Guaíba). “Aplicamos multas e eles estão tomando diversas providências para não ocasionar tanta perturbação na vizinhança. Vai chegar o momento que se eles não se adequarem vai ter que cassar”, afirmou.

Cadastro Ambiental Rural
Do público também veio o questionamento sobre o significado de “Poligonal do CAR”, divulgado pela imprensa dos municípios da Campanha gaúcha. Segundo a Secretária Pellini, esta foi a solução encontrada pelo governo para realizar o preenchimento do CAR no Estado. “Compramos o CAR, resolvemos ficar com o CAR para nós e criamos uma poligonal do bioma Pampa. Por isso, temos três itens para preencher e não dois como no resto do país: mata nativa, área antropizada e o bioma Pampa. Dessa forma teremos uma visão separada porque o bioma Pampa não existe no resto do país, não tem legalidade, tem que ter efetividade, não é só sonho na questão ambiental. Está lá que o bioma Pampa é protegido, mas ninguém teve a iniciativa de dizer qual a definição e que tipo de proteção é essa. Se não diz não tem,” concluiu.
A informação sobre o Poligonal não estava disponível no site da Seades, mas sim no site da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). A entidade afirma que desde 9 de setembro, as informações devem ser enviadas apenas pelo site http://www.car.rs.gov.br/. Afirma ainda que “o endereço está adaptado à legislação gaúcha, principalmente em relação ao Bioma Pampa e banhados” e as pessoas que transmitiram antes o cadastro, devem revisá-lo para o caso de haver a necessidade de retificar a declaração.

Reação do público
Os presentes já tinham questionado e rebatido as posições da Secretária Ana Maria Pellini. A revolta dos técnicos ambientais e estudantes da UFRGS se deve à prática que contraria o discurso, como pontuou o presidente da Agapan. Primeiro, a mudança do nome da SEMA para Seades sem nenhum diálogo, nem com o Consema, antes mesmo do Governo Sartori tomar posse.
Segundo, a própria indicação de Ana Maria Pellini para a Secretaria e o acúmulo dessa função à de diretora-presidenta interina da Fepam. Pois, o seu histórico de gestão na Fepam (2007-2009) foi motivo de ações civis públicas por irregularidades e, ao menos uma condenação por assédio moral a um técnico da Fepam, sendo que quem pagou a indenização foi a Fundação que processou Pellini na Justiça e aguarda o ressarcimento do valor. Ainda referente a essa condenação por assédio moral, ouvimos servidores dos órgãos ambientais do RS que, baseados em um processo (2011/0058560-5) julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça o qual enquadra o assédio moral na Lei de Improbidade Administrativa, entendem que Ana Maria Pellini nem poderia ter sido nomeada Secretária pelo Governo Sartori.
Terceiro, em março de 2015 Pellini desativou a Biblioteca da Fepam e transferiu o seu acervo para a Fundação Zoobotânica. Segundo os funcionários ouvidos, “esta mudança está trazendo prejuízos para o público interno e externo, além de estar revestida de ilegalidades”. E ainda, a servidora concursada responsável pela Biblioteca está em desvio de função. “Consequentemente, a mudança da Biblioteca acarreta mais demora na análise dos processos de licenciamento, aumento o tempo médio de liberação de licenças e também o número passivo de processos,” afirmam.
Quarto, a inaceitável tentativa de extinção da FZB alerta para a ameaça de extinção dos demais órgãos do Sisepra. Por tudo isso, o debate se encerrou no auditório do ILEA com um grande coro pedindo “Fora, Pellini”.

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