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Terça-feira, 08 de Dezembro de 2015

 
     

Estudo aponta subnotificação de mortes por agrotóxicos

  

O próprio Ministério da Saúde estima que a subnotificação faz com que, para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, há outros 50 não notificados

  

Divulgação/Idaf    
Agrotóxicos são o terceiro grupo mais responsável por intoxicações, depois de medicamentos e animais peçonhentos


Por Graça Portela e Raíza Tourinho (Icict/Fiocruz)

Ao analisar os óbitos decorrentes de intoxicações ocupacionais por agrotóxicos, registrados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde (Icict/Fiocruz) e coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), Rosany Bochner, trouxe à tona um problema grave de saúde pública: a subnotificação ou notificação irregular dos óbitos causados por esses agravos, fato que acaba dificultando não só as pesquisas como também as notificações judiciais contra as empresas produtoras de agrotóxicos.
 
É interessante notar que a intoxicação por agrotóxico não é considerada um agravo de notificação compulsória no Brasil, embora seja considerada de interesse nacional e notificada pelas unidades de saúde no Sinan (conforme Portaria nº 777/GM, 28/04/2014). O próprio Ministério da Saúde estima que a subnotificação faz com que, para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, há outros 50 não notificados.

Segundo dados do Sinitox, foram registrados, no período de 2007 a 2011, 26.385 casos de intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, 13.922 por agrotóxicos de uso doméstico, 5.216 por produtos veterinários e 15.191 por raticidas. Os agrotóxicos são o terceiro grupo responsável pelas intoxicações, com 11,8% dos casos. Antecedido pelos medicamentos (28,3%) e animais peçonhentos (23,7%).

Os óbitos causados por agrotóxicos de uso agrícola, de acordo com o estudo feito pela coordenadora do Sinitox, atingiram 863 pessoas (39,4%), os de uso doméstico 29 casos (1,3%), os produtos veterinários corresponderam a 22 ocorrências (1,0%) e os raticidas por 138 óbitos (6,3%). Segundo levantamento feito por Rosany Bochner, desses óbitos, apenas 14 (1,3%) foram registrados como ocupacionais.

Rosany Bochner analisou 33 óbitos registrados no Brasil pelo SIM, no período de 2008 a 2012, levantando variantes como perfil socioeconômico; ano de óbito, estado e local do acidente, causas associadas aos óbitos decorrentes de intoxicações, dentre outros pontos. Ela também cruzou os dados com as informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)/MS e dados do próprio Sinitox.

O que é a exposição ocupacional a agrotóxicos
A exposição ocupacional a agrotóxicos atinge em especial agricultores, que podem ser afetados pela manipulação direta ou por meio de armazenamento inadequado, reaproveitamento de embalagens, roupas contaminadas ou contaminação da água. Contudo, trabalhadores da agricultura e pecuária, de saúde pública, de firmas desintetizadoras, de transporte e comércio dos agrotóxicos, de indústrias de formulação de agrotóxicos são os principais profissionais sujeitos à exposição ocupacional a agroquímicos.

Segundo o relatório divulgado pelo Inca - Vigilância do Câncer relacionado ao Trabalho e ao Ambiente -, a exposição aos agrotóxicos pode ocorrer “pelas vias digestiva, respiratória, dérmica ou por contato ocular”, podendo determinar quadros de intoxicação aguda (quando os sintomas surgem rapidamente, algumas horas após a exposição excessiva e por curto período aos produtos tóxicos), subaguda (ocorre por exposição moderada ou pequena a esses produtos, e tem surgimento mais lento, com sintomas subjetivos e vagos, tais como dor de cabeça, fraqueza, mal-estar, dor de estômago e sonolência, dentre outros) e crônica (quando o surgimento dos sintomas “é tardio, podendo levar meses ou anos, acarretando por vezes danos irreversíveis, como distúrbios neurológicos e câncer”).

Subnotificação e evento sentinela
E é esse um dos casos analisados pela coordenadora do Sinitox em seu artigo – o de VMS, residente na comunidade de Cidade Alta, no município de Limoeiro do Norte, na Chapada do Apodi - Ceará. Ele trabalhava para uma multinacional na função de trabalhador agrícola, tendo sido transferido para o almoxarifado químico, onde trabalhava como auxiliar no preparo da solução de agrotóxicos para borrifo na lavoura de abacaxi. Mesmo utilizando equipamentos de proteção individual (EPI), a partir de 2008 VMS passou a sentir fortes dores de cabeça, febre, falta de apetite, olhos amarelados e inchaço no abdômen. Em agosto desse ano, houve piora em seu quadro clínico, obrigando-o a afastar-se do serviço. Em novembro, faleceu, aos 31 anos.

Se para alguns estava clara a intoxicação por agrotóxicos, para a Justiça havia a necessidade de se provar que de fato a intoxicação foi o que levou VMS a morte. As evidências vieram dos estudos feitos pela pesquisadora e professora do Departamento de Saúde Comunitária, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFCE), Raquel Rigotto, que junto com a sua equipe multidisciplinar, comprovou que todos os problemas de saúde do paciente foram ocasionados pela exposição ocupacional aos agrotóxicos.

Em 2013, a Justiça reconheceu que a morte de VMS foi motivada “pelo ambiente ocupacional”, ou seja, pelo trabalho com substâncias agrotóxicas. Para Rosany Bochner, “chama a atenção o fato de que dentre as causas apresentadas [na certidão de óbito], os agrotóxicos não foram sequer mencionados, implicando na fragilidade do SIM, em subsidiar as análises dos impactos dos agrotóxicos na saúde humana”. Em seu artigo, Rosany Bochner ressalta que “segundo o sistema, VMS seria mais uma vítima do agronegócio, que morre sem deixar vestígios da relação causal entre a exposição a agrotóxicos e o agravo à saúde”.

Paulo Borges, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict), que pesquisa os sistemas de informações, analisa que o preenchimento inadequado – o subregistro, ou seja, casos de doenças e/ou óbitos que não são registrados é um dos principais problemas dos SIS (Sistemas de Informações) e que isto “pode gerar informações subestimadas, não condizentes com a realidade local”.
Borges também alerta para outro fator preocupante que é o fato dos formulários/declarações que alimentam os SIS não serem completamente preenchidos, deixando de fora informações relevantes para a vigilância epidemiológica, o que se reflete inclusive nas doenças ocupacionais: “A intencionalidade e a exposição ocupacional relacionada aos óbitos e algumas doenças também costumam ser subregistradas, pois nem sempre o profissional de saúde que preenche o documento possui esta informação ou tem clareza sobre a importância da mesma para as ações de prevenção de novas ocorrências”, afirma. Ele acredita que o fato dos profissionais de saúde estarem muito envolvidos com a assistência aos pacientes, não permite que eles observem a importância que o registro adequado das informações tem para a vigilância e prevenção de novas ocorrências.

Para ele, uma das formas de se reduzir o problema é a conscientização do profissional de saúde sobre a necessidade do preenchimento correto: “É claro que as questões tecnológicas relacionadas as interfaces, a usabilidade e a transmissão dos dados podem ser melhoradas, mas creio que o mais importante é conscientizar os profissionais de saúde sobre a importância destes sistemas para a saúde das populações”, finaliza.

“Vítimas escondidas”
Ao fazer a correlação entre as mortes registradas no SIM e a real causa desses óbitos, Rosany Bochner traz à tona uma discussão que pode trazer impactos relevantes não só para o Sistema Único de Saúde, como para a saúde do trabalhador: “Ao lidar com óbitos decorrentes de intoxicações ocupacionais por agrotóxicos, estamos na presença de eventos raros, dificilmente notificados, mas que aportam uma enormidade de significados e sentidos, mantendo atrás de si diversas outras vítimas de um sistema perverso”, afirma ela, em seu artigo.

Em sua busca por “vítimas escondidas”, Rosany Bochner tenta mostrar que mais do que números, esses óbitos representam pessoas que estão sendo expostas diariamente em seus trabalhos com agrotóxicos. No lugar de VMS, por exemplo, é bem possível que exista outro trabalhador, submetido a condições semelhantes que causaram a morte do primeiro. Assim, o artigo propõe “utilizar cada um desses óbitos descritos nesse trabalho como um evento sentinela, a fim de incentivar e instrumentalizar as vigilâncias dos municípios a atuar na fiscalização das condições de trabalho e, se possível, realizar busca ativa de casos de intoxicação crônica por agrotóxicos”. Ou seja, a partir de informações de uma intoxicação (o evento sentinela) a Vigilância deve buscar no local de ocorrência (busca ativa) casos semelhantes. Como ela mesmo afirma: “Esse trabalho é um início para um novo modelo de vigilância e captação de dados”.

Esta reportagem marca o início da série Agrotóxicos: a história por trás dos números, realizada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde (Icict/Fiocruz), com matérias sobre uso de agrotóxicos no Brasil.

Icict/Fiocruz - EcoAgência

  
  
  Comentários
  
Suzete Bragagnolo - 08/12/15 - 16:54
Boa tarde! Há uma impropriedade na notícia, porque a intoxicação por agrotóxico é de notificação compulsória sim, inclusive em caso de suspeita. Há um trabalho no âmbito do Fórum Gaúcho de Agrotóxicos no sentido de sensibilizar os profissionais de saúde.
  
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