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Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2015

 
     

10 anos do assassinato de Dorothy Stang: exemplo da impunidade que reina na Amazônia

  

Morte de Dorothy Stang segue impune e violência no campo não cessa.

  


Por Cristina Fontenele - Adital

Há 10 anos (12 de fevereiro 2005) morria a irmã Dorothy Stang, religiosa estadunidense naturalizada brasileira, vítima de um assassinato ordenado pelos fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura ("Bida”) e Regivaldo Pereira Galvão ("Taradão”), no município de Anapu (Estado do Pará, Brasil). Embora a morte da missionária, que atuava há mais de 30 anos em favor do assentamento de pequenos agricultores na região, tenha tido repercussão internacional, os culpados continuam livres e impunes.

 

Casos como o de Irmã Dorothy fazem parte das estatísticas alarmantes dos conflitos da terra amazônica. Segundo levantamento Comissão Pastoral da Terra (CPT), na última década, de 2005 a 2014, foram assassinadas 325 pessoas em razão de conflitos no campo, mais da metade desses crimes aconteceu na Amazônia (67,3% dos casos). O Pará concentrou 118 das mortes (35,3%). Das 548 tentativas de assassinato, 165 aconteceram neste Estado. Das 2.118 pessoas ameaçadas de morte, 617 também viviam no Pará.

Os dados indicam que a impunidade representa um grave problema. De acordo com a CPT, dos 1.270 casos de mortes no campo (com 1.680 vítimas) registrados entre 1985 e 2013, apenas 108 chegaram a julgamento. Isto representa 8,5% dos episódios de violência registrados nos últimos 30 anos, o que significa que menos de um em cada 10 casos foi concluído pela Justiça. Apenas 28 mandantes foram condenados e 13 foram absolvidos no mesmo período. Entre os executores, 86 foram responsabilizados pela Justiça e 58 absolvidos em todo o Brasil.

Em entrevista à Adital, o secretário da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Antônio Canuto, comenta sobre o que significou o marco de 10 anos da morte da missionária, quais avanços podem ser observados e que providências estão sendo tomadas na luta por justiça.

"Houve alguns ganhos na luta na questão da terra, mas a situação ainda é de intenso conflito, haja vista o massacre ocorrido em Conceição do Araguaia (Pará), matando seis pessoas na última terça (17 de fevereiro)”. Canuto refere-se aos assassinatos de seis pessoas da mesma família, um casal, três filhos e um sobrinho, mortos a golpes de faca no assentamento da Fazenda Estiva, região da zona rural de Conceição. A motivação do crime seria a disputa por terras.

A morte de Dorothy Stang, segundo Canuto, ampliou o trabalho da missionária para o Brasil e para o mundo, trouxe uma dimensão internacional, tornando-a referência no assunto. "Dorothy ainda coloca para a sociedade a realidade da situação ligada ao direito à terra”. Ele aponta que a questão da terra, longe de ser resolvida, recebe somente medidas paliativas. "Há uma necessidade de reestruturação fundiária. Em primeiro lugar, é preciso delimitar o território indígena dos quilombolas. Defender a comunidade tradicional de ribeirinhos e garantir a redistribuição de terra”.

Canuto alerta ainda que a impunidade continua permanente no Brasil. "Na cidade, já é complicado aplicar a lei, no campo, é ainda mais difícil devido ao isolamento em que vivem as comunidades. E há muitos interesses em jogo. É difícil quando o próprio Judiciário tem como princípio fundamental o direito à propriedade como superior aos direitos fundamentais da pessoa humana”.

 

Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão, fazendeiros mandantes do assassinato de Dorothy continuam em liberdade.De acordo com estudos da CPT, o número de pessoas vítimas de alguma forma de violência no conjunto do chamado "Conflitos no Campo” (conflitos envolvendo terra, água, trabalho), passou de 317.078 pessoas em 2012 para 223.346 em 2013. Apesar da redução, no Estado do Acre, por exemplo, o número passou de 16.550 pessoas envolvidas para 25.193, 52% a mais; e no Tocantins quase dobrou, passando de 11.401 para 21.401 pessoas, representando um aumento de 88%.

Em entrevista à Adital, a coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Estado do Pará, Maria Raimunda Cesar, explica que do ponto de vista do movimento dos trabalhadores não há como enxergar avanços. Os assassinatos de camponeses podem ter diminuído, mas não reduziu a violência. O avanço do desmatamento desordenado no Pará, da pecuária extensiva, da apropriação indevida dos territórios camponeses, são outras formas graves de violência, que fazem índios, quilombolas e camponeses perderem seus territórios, suas formas de vida. "A violência se reestruturou, matam-se os camponeses de outras formas”, denuncia Raimunda.

"Os 10 anos do assassinato de Dorothy representam 10 anos de impunidade contra a classe trabalhadora, que tem defendido o meio ambiente, lutado por uma sociedade soberana. A criminalização dessa luta tem colocado os trabalhadores na condição de réus, e isso tem virado moda no Estado do Pará. A irmã Dorothy foi assassinada pelo latifúndio e depois assassinada diversas vezes pelo Legislativo e o Executivo [poderes] brasileiros. O Judiciário está comprometido com o interesse do capital e tem tratado os trabalhadores do campo com requintes de crueldade. O novo Código Florestal, por exemplo, significa uma morte da legislação, uma derrota dessa luta, de tudo pelo que Dorothy morreu. Ainda precisamos avançar bastante”, desabafa Raimunda.

A Amazônia ainda é considerada uma fonte "inesgotável” de recursos naturais disponíveis à exploração desorganizada e sem lei, tanto pelo Brasil como por empresas internacionais. Barragens para usinas hidrelétricas, mineração, grilagem de terras, extração de madeira e monoculturas (pecuária, soja, dendê, eucalipto) avançam sobre terras indígenas, quilombolas e de outras comunidades camponesas, agravando o conflito agrário.

Na visão da organização ambientalista Greenpeace, o círculo vicioso de mortes, impunidade e mais violência alimenta uma indústria que vem financiando há anos o desmatamento da Amazônia. Para a organização, a violência pode ser combatida através de ações do governo que melhorem a governança na região e incentive o uso sustentável da floresta.

 

 

Adital/EcoAgência

  
  
  
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