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Segunda-feira, 14 de Março de 2022

 
     

Bacia do Rio Uruguai sofreu 115% de aumento de hidrelétricas, em 8 anos

  
Questões neste Dia Internacional de Lutas Contra as Barragens: qual a capacidade de suporte de tantos empreendimentos para manter as matas ciliares, e evitar a extinção de espécies ou mesmo mais de uma centena ameaçadas de extinção de flora e fauna na bacia? Quantas milhares de pessoas mais serão expulsas de suas terras para empreendimentos que dependem de rios caudalosos e que sofrem cada vez mais com as secas?
  

Hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai, conforme a ANEEL (14-03-2022). Em vermelho, planejadas, em verde, em Operação e em laranja, em Construção. Mapa montado por Ismael Verrastro Brack


Por Paulo Brack, Eduardo Luís Ruppenthal e Ismael Verrastro Brack

O dia 14 de março vem sendo comemorado pelos movimentos do mundo inteiro, e aqui no Brasil capitaneado pelo Movimento pelos Atingidos pelas Barragens (MAB)[1] e por movimentos ambientalistas, há algumas décadas. Sempre vale a lembrança, a reflexão e o protesto contra a construção de hidrelétricas e outras barragens que destroem rios e causam grandes impactos ambientais. As estimativas reconhecidas por organizações como a Comissão Mundial de Barragens[2], há quase 20 anos, era de que mais de um milhão de pessoas teriam sido expulsas de suas terras, na beira dos rios, para a construção de milhares de barragens, com incomensuráveis impactos sobre povos ribeirinhos, modos de vida e acentuada ameaça de extinção de ecossistemas de margens de cursos de água e suas respectivas espécies de flora e fauna.
 
No Brasil, grandes obras hidrelétricas foram planejadas e construídas em meio ao período da ditadura civil-militar de 1964, principalmente na década seguinte. Megaobras, com tecnocracia associada, sempre foram criticadas por ambientalistas como os gaúchos José Lutzenberger e Sebastião Pinheiro. As principais hidrelétricas que destruíram florestas e expulsaram enorme contingente de pessoas foram: Tucuruí (285 mil hectares), Balbina[3] [4] (236 mil hectares) e Itaipu (135 mil hectares). As duas primeiras foram construídas na Amazônia, onde muitas dezenas de povos indígenas e centenas de comunidades tradicionais foram expulsas, inclusive com o uso de herbicidas semelhantes ao agente laranja, utilizado na Guerra do Vietnam, sobre a floresta e suas comunidades. A madeira era tanta que quase toda ficou embaixo d’água, gerando gases de efeito estufa[5]. Balbina, com uma área equivalente a 4,5 vezes o território do município de Porto Alegre, gera quase nada ou o equivalente ao Parque Eólico de Osório, no Rio Grande do Sul. Atualmente, durante o dia, a geração de energia fotovoltaica, em grande parte mais descentralizada do que as grandes obras, já equivale à produção de energia de Itaipu[6].
 
Célio Bermann, professor da USP que conhece profundamente o tema, sempre denunciou a origem autoritária do planejamento de empreendimentos de geração de energia, em especial as hidrelétricas. A visão autoritária, que exclui a sociedade na participação do Conselho Nacional de Política Energética, segue até hoje, a despeito do avanço dos marcos legais e de acordos internacionais que dão amparo à manutenção da sociobiodiversidade, destacando-se aqui a Política Nacional de Meio Ambiente, que fez 40 anos, em 2021, a Constituição Federal de 1988 e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) que surgiu há 30anos, justamente no Brasil, durante a Rio 92.
A produção de energia e a proteção da biodiversidade não se conversam [7]. Em 2014 constatamos que mais de 60% das centenas de hidrelétricas previstas para a construção ou mesmo em construção no Brasil coincidiam com as Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Portaria MMA, n. 9 de 23 de janeiro de 2007), sendo que 25% em áreas de Extrema Importância. Transcrevemos aqui as palavras do Professor Célio Bermann: “Sob a influência de grandes grupos econômicos, nacionais e internacionais, e seus aliados políticos, que formam a base da ‘indústria das barragens’ (dam industry) no Brasil, o governo federal construiu um sistema elétrico que prioriza fortemente a geração hidrelétrica, estimulando subsetores industriais e atendendo o suprimento a determinados setores em detrimento de outros”. De certa forma, também, Bermann destacou que setores chamados eletro-intensivos, de materiais semimanufaturados para a exportação, como as produções de alumínio, minério de ferro, pasta de celulose e cimento, que geram baixo valor agregado em seus produtos, demandam grande quantidade da energia elétrica, além da ausência de programas de uso eficiente e racional de energia. Na realidade, o setor privado de geração não admite redução de lucros e, ao contrário, tem interesse no crescimento exponencial e infindável de consumo, bem como no crescimento irrestrito de fontes de geração, inclusive de hidrelétricas.
 
A geração de energia elétrica, que deveria ser descentralizada e diversificada, além de prezar pela busca honesta de diálogos e o reconhecimento dos direitos dos atingidos, até hoje nunca foi tema de preocupação de parte dos governos. Infelizmente, como agravante, no atual processo de privatização do setor elétrico, tendo como foco central hoje a empresa pública, Eletrobrás, aprofunda-se ainda mais o problema do uso racional e do acesso social à energia elétrica com um recurso essencial e não uma mera mercadoria.
 
Infelizmente, desde a primeira década de 2000, várias obras de hidrelétricas foram resgatadas do portfólio do regimemilitar da década de 1970, como o caso das malfadadas hidrelétricas de Belo Monte (rio Xingu), Jirau e Santo Antônio (rio Madeira), Teles Pires (rio Tapajós), entre outras[8]. No caso da Amazônia, que se configura como a grande fronteira de construção de hidrelétricas devastadoras de ecossistemas e de modos de vida em meio à floresta, associadas a grandes empreiteiras e com investimentos de fundos de pensão, os impactos diretos e secundários também são imensos, atraindo um sem número de migrantes e empreendedores do minero-negócio e do agronegócio predador sobre a Amazônia.
 
Aqui no sul do Brasil, fomos testemunhos da maior destruição de florestas com Araucária, formação da Mata Atlântica, em um dos maiores corredores ecológicos para a Floresta Estacional Decidual do vale da bacia do rio Pelotas-Uruguai. Foram 6 (seis) mil hectares engolidos por uma hidrelétrica chamada Barra Grande, no norte do Estado, entre os municípios de Pinhal da Serra (RS) e Anita Garibaldi (SC). O licenciamento ambiental desta maior obra de destruição da Mata Atlântica no Sul do Brasil esteve associado a denúncias comprovadas de graves omissões e fraudes imputadas à empresa ENGEVIX, responsável pelo EIA-RIMA, resultando na emissão leviana de licenças ambientais.
 
Além de 1200 famílias de pequenos agricultores familiares e ribeirinhos expulsos, houve, entre tantos danos à biodiversidade, a supressão de 5 milhões de árvores, correspondendo a cerca de um milhão de metros cúbicos de madeira. A maior parte da madeira tampouco foi aproveitada. Mais de 200 mil araucárias, a maior parte adultas, sucumbiu com o empreendimento. Da mesma maneira, milhares de espécies de flora e fauna desapareceram irreversivelmente ou por fuga para outras áreas nem sempre nas mesmas condições ou afogadas em uma área de mais de 9 mil hectares do lago de Barra Grande. Uma espécie endêmica de bromélia (Dyckia distachya) perdeu seus últimos habitats naturais de beira de rios.
 
Colaborou para o crime ambiental da UHE Barra Grande a terceirização de parte do licenciamento do Ibama, quando da emissão das Licenças Prévia e de Instalação, em 1999 e 2001, respectivamente. No mesmo período, o então governo iniciou a privatização do sistema elétrico brasileiro, que segue se aprofundando atualmente. Tampouco, infelizmente, a Eletrobrás esteve preocupada com questões socioambientais. Mas a privatização visa retirar qualquer papel de soberania e de controle social, entregando-se a energia elétrica concentrada ao lucro das empresas privadas, em grande parte transnacionais.
 
Em relação às hidrelétricas do rio Uruguai, que não constam nos dados da ANEEL (foram temporariamente retiradas), as maiores obras previstas para o rio, as UHEs de Garabi e Panambi, juntas, formariam dois lagos que, no total, alcançariam uma área de quase 100 mil hectares, ou o dobro da Usina de Belo Monte. Tais empreendimentos correspondem a riscos imensos à sociobiodiversidade, já que destruiriam as últimas matas ciliares da região do Noroeste do RS, além das corredeiras do rio, condição necessária para a eficiente oxigenação das águas e também condição para a piracema do dourado e outras tantas espécies de peixes. As águas paradas estão trazendo os fenômenos comuns de explosão de cianobactérias, que liberam substâncias tóxicas, em corpos de água praticamente sem movimento, ou mesmo proliferação de animais exóticos invasores como o mexilhão-dourado[9]. O rio Pelotas-Uruguai e dezenas de tributários estão morrendo pelos barramentos, pela eutrofização decorrente da agricultura que joga alta carga de nutrientes nos lagos das barragens e também pelos agrotóxicos.
 
Cabe lembrar que o empreendimento, de responsabilidade da Eletrobrás (Brasil), com participação da empresa Engevix, e Ebisa (Argentina), teve seu processo paralisado desde 2015 por força de uma liminar na Justiça Federal. Em abril de 2021, o processo foi julgado, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), uma ação de parte dos Ministério Público Federal e Estadual, com amicus curiae formado por advogados de entidades ambientalistas, que obteve decisão favorável à manutenção da interrupção, por parte daEletrobrás, em levar adiante o Projeto da Hidrelétrica de Panambi, no município de Alecrim, fronteira com a Argentina. Em termos práticos, pela existência do Parque, existe o impedimento dos estudos do Complexo Hidrelétrico Garabi-Panambi. UHEs que atingem, só do lado brasileiro, mais de 19 municípios gaúchos, inclusive de inundar cidades como Porto Mauá, em mais de 85% de seu território. Números estimados apontam para milhares de famílias atingidas.
 
Mesmo assim, Eletrobrás, o IBAMA e a União (AGU) sob gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL) seguem apelando para instâncias superiores a continuidade do processo de licenciamento desta hidrelétrica, junto com o projeto da UHE Garabi. Cabe lembrar que a existência de hidrelétricas acima, já alteram significativamente a vazão do rio Uruguai, alterando a dinâmica hídrica e que afeta o Salto do Yucumã, sendo que não há mais previsibilidade natural, dependendo da abertura ou não das comportas, principalmente da UHE Foz do Chapecó, afetando a biodiversidade, a pesca e o turismo na região, forte e com enorme potencial devido a toda a beleza cênica do Salto, a maior queda longitudinal do mundo, com mais de 1.800 metros de extensão, uma das sete maravilhas naturais do RS.
 
Com relação à bacia do Rio Uruguai (RS e SC), em 2014, tínhamos um número de 278 empreendimentos hidrelétricos previstos para a região e 71 hidrelétricas construídas ou em construção (59 PCHs e 12 UHEs). Atualmente, com base em dados obtidos no Sistema de Geoprocessamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), neste dia 14 de março de 2022, obtivemos dados de um número de 148 hidrelétricas construídas (84 CGHs, 51 PCHs, 13 UHEs). Houve, portanto, um aumento do número de empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai de 115,5%, desde 2014 até o presente, ou seja oito anos mais que dobrou o número de hidrelétricas na bacia.
 
Ficam então as perguntas: qual a capacidade de suporte de tantos empreendimentos para manter as matas ciliares, e evitar a extinção de espécies de peixes como o dourado, o grumatã, o surubim ou mesmo outras mais de uma centena de espécies ameaçadas de extinção de flora e fauna na bacia? Quantas milhares de pessoas mais serão expulsas de suas terras para empreendimentos que dependem de rios caudalosos e que sofrem cada vez mais com as secas?
 
Apesar do quadro altamente preocupante, neste momento que se comemora 30 anos da Rio 92 (10 anos da Rio+20) e na antevéspera de eleições nacionais, este assunto é fundamental, agregando-se a problemática das demais barragens que se rompem ou podem se romper, em áreas de rejeitos de mineração por grandes empresas como a Vale, cuja negligência criminosa provocou a morte de 300 pessoas nas áreas de rejeitos de Brumadinho e Mariana (MG). Os rios e seus modos de vida diversos, humanos e não humanos, não podem morrer [10]!!
 
Por Rios Livres de Barragens! Pelas Águas e Natureza como Bens Públicos! Pelas Populações Ribeirinhas, e Toda Sua Sociobiodiversidade. Por Outro Modelo Energético Descentralizado, Sem Megaobras e Sem Concentração de Capital! Por Outro Modelo de Economia que Atenda às Pessoas, e Seja Compatível com a Sustentabilidade dos Processos da Ecosfera!
 
 
 
 
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