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Homenagem

Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 2021

 
     

Legado do professor Ludwig Buckup aponta as urgências da nossa sociedade

  

A dedicação à universidade pública e a mobilização pelo bem comum, com defesa da biodiversidade e diálogo com todos os setores sociais, são lições do grande mestre

  

Foto: Gustavo Diehl - UFRGS    
Ludwig Buckup: agraciado com o título de professor emérito da UFRGS em 2016


Por Eliege Fante, Débora Gallas e Eloísa Loose - especial para a EcoAgência

Enquanto a ciência brasileira trabalha sob uma das fases negacionistas mais difíceis de superar, e ainda assim apresenta resultados consistentes para a conservação da vida, a pandemia continua ditando a morte. A ciência e o ambientalismo brasileiros lamentam o falecimento do professor doutor Ludwig Buckup, ocorrido na terça-feira dessa semana (23/02) em Porto Alegre (RS), em razão da covid-19. Como forma de homenagem, recordamos aqui quem foi o cientista e ambientalista que trabalhou, em prol da proteção ambiental.

Nascido em São Paulo em 1932, Ludwig Buckup graduou-se em História Natural. Realizou o doutorado em Entomologia na Universidade de Tübingen, Alemanha. Trabalhou por muitos anos pelo Estado, especialmente no Museu de Ciências Naturais do RS, instituição de que foi um dos fundadores.

Desde o golpe de 2016, com a exacerbação da agenda neoliberal, o Rio Grande do Sul e todos os cidadãos do país e do exterior que usufruíam dos resultados do trabalho da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB) testemunham os incomensuráveis prejuízos a partir da sua extinção. Houve luta e diversas aulas públicas para alertar a sociedade sobre o erro do governo de José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018), que acabaria por dissolver a FZB em 2018 com o apoio da Assembleia Legislativa. Talvez a mais importante delas teve a presença do Prof. Dr. Ludwig Buckup, na “casa do povo” em 2015, quando narrou o processo que resultou na criação, junto com Thales de Lema (falecido em 2020) do Museu de Ciências Naturais, em 1955, órgão executivo precursor da FZB.

Na ocasião, Buckup lembrou que o naturalista Padre Balduíno Rambo (1906-1961) dirigia o setor de Ciências da Secretaria Estadual de Educação e que chamou a dupla de jovens professores para organizar o acervo científico gaúcho. Da EcoAgência: “Propomos ao Padre a criação de uma base institucional da área do meio ambiente. Daí a criação do Museu Riograndense de Ciências Naturais (atual Museu de Ciências Naturais do RS). Depois criou-se o Jardim Botânico (1958) e o Parque Zoológico (1962). Coube ao meu ex-aluno, José Willibaldo Thomé, organizar os três órgãos executivos para formar institucionalmente a FZB. Foram feitas propostas técnicas para a função dos órgãos, tudo o que vimos ser apresentado aqui e que deu certo. Quando a Petrobras queria fazer uma central de tratamento de petróleo em Triunfo, quem ela chamou? A FZB. Quando foi preciso verificar o melhor planejamento ambiental para o litoral do RS, quem foi chamado? A FZB. Quando o governo precisou que alguém fizesse a análise técnica da paisagem dos morros de Porto Alegre, quem chamou? A FZB. Quando precisou que se definisse o perfil ambiental e os usos dos parques naturais, quem o governo chamou? A FZB”.

Por trás da decisão do Executivo e Legislativo gaúchos, que apoiaram e/ou integraram os governos anteriores que aderiram ao modelo de implantação da silvicultura no Estado em 2008, estava, segundo Buckup, um ressentimento contra a Fundação Zoobotânica por pesquisar, promover a educação ambiental, levantar todas as informações necessárias para uma gestão responsável do território. Como lembrou a Associação dos Servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Asfepam/Fepam), em nota de pesar, as palavras de Buckup alertavam sobre o real interesse com o fim da FZB: “A Zoobotânica é guardiã da biodiversidade gaúcha”.

 

Engajamento nas causas socioambientais

O professor Buckup dedicou-se às causas em torno da qualidade do ar e da água, daí o seu envolvimento em mobilizações, como o contraponto à implantação da silvicultura no Estado. A alegria e a cordialidade o acompanhavam até mesmo na hora de fazer a crítica contra o “marketing verde”, como definia, praticado pelas empresas da celulose que prometeram investir até seis bilhões de dólares no Estado e gerar empregos. Só que na crise financeira de 2008 encerraram seus compromissos de arrendamento de terras para os plantios. A Aracruz faliu (fábrica em Guaíba, atual CMPC Celulose Riograndense) e a Votorantim e a Stora Enso foram-se embora.

Era funcionário da Stora Enso um colega da comunicação que participava de todos os eventos sobre a silvicultura e com frequência contestava as falas do professor Buckup. Aliás, rebatia todos os estudos que apresentavam riscos ligados à implantação dos monocultivos arbóreos no bioma Pampa, inclusive os relacionados à escassez de água. Contudo, Buckup era um cientista engajado e não desistia da luta. Participou de inúmeras palestras, debates, conselhos estaduais e municipais, entre outros, levando os resultados da pesquisa científica e representando a cidadania através da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e da IGRÉ – Associação Sócio-Ambientalista, que também foi um dos fundadores.

 

Dedicação à universidade pública

Ao tornar-se professor da UFRGS, atuou no ensino, na pesquisa e na extensão por 55 anos. Contribuiu para a criação do primeiro curso de bacharelado em Ecologia do país, do Departamento de Zoologia, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal. Ao lado de sua esposa, a também professora da UFRGS Georgina Bond Buckup, conduziu a pesquisa sobre a biodiversidade dos Campos de Cima da Serra (RS) a partir de 1998. E, dez anos depois, o impacto do monocultivo de pinus, das macieiras e lavouras, como de batatas, já era perceptível sobre as milhares de espécies vegetais, e as centenas de espécies endêmicas da fauna e flora que catalogaram. A pesquisa verificou, por exemplo, que o lagarto pintado estava ameaçado de extinção na região de Vacaria (RS) devido a perda do seu hábitat natural. O impacto sobre a espécie humana nunca foi omitido: além de modificar a paisagem sulina e a cultura local, a superexploração dos mananciais hídricos por essas atividades econômicas promovidas pelas políticas de desenvolvimento, viria a interferir na suficiência de água e na disponibilidade para todos os habitantes. Atualmente, seja pelo uso excessivo por determinados setores, seja pela alteração no regime de chuvas pela mudança climática, sabemos que os bairros mais afastados do centros urbanos têm um acesso precarizado ao recurso, realidade que se espraia velozmente pelos municípios gaúchos. 

A contribuição intelectual do professor Buckup através da UFRGS se deu na entomologia e carcinologia, ramos da ciência que estudam os insetos e os crustáceos, respectivamente. Atuou na descrição de 39 espécies novas, e quatro foram descritas em sua homenagem. Uma delas é o Parastacus buckupi ou lagostim-de-água-doce, que habita riachos e teve a presença registrada apenas no Arroio Carvão, em Maquiné (RS). Recém catalogada, esta espécie de crustáceo se encontra em perigo justamente devido à substituição dos seus habitats pela implantação de atividades agropecuárias. 

 

Reconhecimento e gratidão

Em meio à tristeza, alunos, colegas de trabalho e de luta ambiental prestaram muitas homenagens, entre os quais destacamos: Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Assembleia Permanente das Entidades de Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (APEDEMA/RS), Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MOGDEMA), Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica (AFFZB), Associação dos Servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (ASFEPAM/FEPAM), Conselho Regional de Biologia da 3ª Região (CRBIO-03), Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Sociedade Brasileira de Carcinologia.

A nota da UFRGS lembrou a trajetória acadêmico-científica e sua atuação como pró-Reitor de Extensão entre 1980 e 1984, quando contribuiu para o fomento de diversas iniciativas culturais que aproximaram a universidade da sociedade gaúcha. Este espírito versátil e o engajamento em atividades de relevância social e ambiental também foi lembrado em um artigo de cunho biográfico, escrito por Alessandra Bueno, Paula Araújo e Sandro Santos, que integra uma série de artigos publicados em 2018 pela Revista Nauplius em homenagem ao professor Buckup. O texto em inglês pode ser acessado aqui.

O Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul, que teve a honra de contar com a participação do Prof. Buckup em diversas notícias, como uma fonte de credibilidade, se soma a este rol de profissionais e amigos da causa ambiental, acreditando que, por seu legado e os desafios que se impõem na atualidade, precisamos seguir honrando o trabalho do Prof. Buckup.

 

 

EcoAgência

  
  
  
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