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Observatório de Jornalismo Ambiental

Segunda-feira, 20 de Junho de 2022

 
     

Maior homenagem que a imprensa pode prestar a Bruno Pereira e Dom Phillips é defender suas causas

  

É preciso sair da mera repetição sobre o aumento de hectares devastados e voltar a atenção sobre essas zonas de conflito, sobre quem patrocina e apoia essas invasões em áreas protegidas e como o Estado tem atuado para resolver o problema

  

Reprodução parcial das capas de O Estado de Minas e Correio Braziliense


Por Sérgio Pereira*

A semana foi marcada pela confirmação dos assassinatos de Bruno Pereira e de Dom Phillips. A notícia virou manchete dos principais jornais do País e teve imediata repercussão internacional, principalmente pela morte do jornalista britânico, que escrevia para o The Guardian e já tinha colaborado com Washington Post, The New York Times e Financial Times. Ambos eram conhecidos pela dedicação na preservação da floresta amazônica e na defesa das causas indígenas. E por isso foram mortos.

Os órgãos de segurança conseguiram elucidar o desaparecimento das vítimas, até o momento já prenderam três acusados (dois admitiram o crime e um deles ajudou a encontrar os corpos) e apontam que mais prisões poderão ocorrer. Espera-se que muitas dúvidas sobre o duplo homicídio ainda sejam respondidas na investigação, inclusive o motivo, ponto ainda não esclarecido oficialmente, mas que está relacionado ao envolvimento dos dois na defesa das áreas indígenas do Vale do Javari.

O foco de nossa reflexão aqui, no entanto, não se fixa no trabalho policial, mas sim sobre a cobertura dedicada ao caso pela imprensa nacional. Caberá aos jornalistas, por exemplo, tentar elucidar um ponto importante que ainda está nebuloso e que não será respondido nas páginas do inquérito criminal: a razão da dispensa de Bruno Pereira da função de coordenador-geral do setor de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O servidor concursado da Funai foi tirado da função que ocupava no Vale do Javari em outubro de 2019 e depois removido para Brasília após comandar operações bem-sucedidas contra a pesca e o garimpo ilegais. Calcula-se que essas ações resultaram na destruição de mais de 50 balsas usadas por garimpeiros em terras indígenas. Como disse o repórter André Trigueiro em matéria do Jornal Nacional do dia 16 de junho, “o sucesso no combate aos criminosos, em vez de render uma promoção, lhe custou o cargo”.

Funcionários da Funai afirmaram à revista Carta Capital, em 9 de junho, que o desaparecimento do indigenista (quando ainda havia esperança de encontrar os dois com vida) poderia ter sido evitado se ele estivesse trabalhando com o apoio do aparato estatal. Os dois estavam sem seguranças quando foram mortos.

Sérgio Moro, ministro da Justiça na época, lavou as mãos e já disse não ter nada a ver com a exoneração. O ex-ministro da Justiça substituto Luiz Pontel de Souza precisa ser ouvido pela imprensa. É dele a assinatura na portaria que retirou o indigenista da função de coordenador-geral do setor de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. Ele precisa dizer de quem foi a ordem para o afastamento de Pereira do cargo que ocupava na Funai do Vale do Javari.

O jornalista Carlos Madero, do portal UOL, revelou em postagem do dia 15 de junho que o indigenista foi exonerado 15 dias após uma megaoperação contra o garimpo ilegal no sudoeste do Amazonas. Conforme Madero, três dias após a operação, representantes dos garimpeiros foram recebidos em Brasília por integrantes do governo Bolsonaro, inclusive pelos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O conteúdo da reunião não foi divulgado.

O Jornalismo Ambiental nos ensina que é preciso dar “ênfase na contextualização na tentativa de expor as relações entre causas e consequências, assim como das articulações dos diferentes campos sociais”, além de assumir o “comprometimento com a qualificação da informação, ou seja, preocupação em construir notícias que desvelem as conexões entre economia, política, cultura, ambiente, etc., que nem sempre são visíveis, e indiquem soluções, saídas” (GIRARDI; LOOSE; SILVA, 2018). Neste caso específico, não se trata apenas das mortes de Pereira e Phillips, mas toda uma política de desmonte dos órgãos de fiscalização na Amazônia e, por consequência, de endosso à destruição da floresta e à perseguição aos povos indígenas. Isso não pode ser esquecido em nenhum momento durante essa cobertura.

Outros dois pontos também merecem reflexão por parte dos principais veículos brasileiros. A primeira, é sobre como está sendo definida a pauta ambiental nas regiões mais distantes do País. A grande imprensa precisa ampliar suas frentes de reportagem, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste[1] [2] . É preciso sair da mera repetição sobre o aumento de hectares devastados e voltar a atenção sobre essas zonas de conflito, sobre quem patrocina e apoia essas invasões em áreas protegidas e como o Estado tem atuado para resolver o problema. A mídia hegemônica precisa fazer da luta de Pereira e Phillips a sua luta. Essa será a melhor homenagem que os jornalistas podem prestar não somente aos dois, mas a todas as vítimas dessa guerra deflagrada quase sempre longe dos olhos dos veículos de comunicação.

Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra, somente nestes primeiros meses do ano já ocorreram 19 assassinatos no campo (Pereira e Phillips ainda não estão nesta estatística). Muitas dessas vítimas ficaram anônimas e suas trajetórias de luta não chegaram a ser contadas pela grande mídia[3] . Precisamos destacar aqui o trabalho da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que não apenas colaborou nas buscas como também deu apoio aos jornalistas que foram para a Amazônia cobrir o desaparecimento. Como também canais que deram visibilidade ao desaparecimento, como o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato e a associação de servidores da Funai Indigenistas Associados.

Vale também lembrar a iniciativa do Rainforest Jornalism Fund, que possibilitou a ida de repórteres da Agência Pública até a região. Como também a cobertura de veículos como Amazônia Real e Mídia Índia, que contribuíram para esclarecer vários pontos, inclusive o episódio constrangedor protagonizado pela embaixada brasileira.

Por fim, um elogio para as capas de dois impressos brasileiros, Correio Braziliense e O Estado de Minas, por suas edições do dia 16 de junho. Os jornais fugiram do corriqueiro e buscaram atrair a atenção dos seus leitores para a importância da notícia nas suas primeiras páginas. Uma das finalidades do jornalismo é justamente essa, como nos lembra Reginato (2019): “Ajudar o leitor a entender seu tempo, orientando-o sobre como viver no mundo contemporâneo e como dar sentido ao tempo presente”. Tarefa que, por sinal, não será fácil no futuro: explicar para as próximas gerações esse período específico do Brasil.

 

Referência

GIRARDI, Ilza Maria Tourinho et al. Jornalismo ambiental: teoria e prática (livro eletrônico) – Dados eletrônicos. Porto Alegre: Metamorfose, 2018.

REGINATO, Gisele Dotto. As finalidades do jornalismo. Série Jornalismo a Rigor. Florianópolis: Insular, 2019.

 

 

* Texto produzido no âmbito do projeto de extensão "Observatório de Jornalismo Ambiental" por integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). A republicação é uma parceria com o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS). Sérgio Pereira é jornalista, servidor público, mestrando em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Meio ambiente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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