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Quinta-feira, 22 de Março de 2018

 
     

A preservação da Fazenda Arado Velho: um contato maior com a natureza, um bem para toda a população

  

Dezenas de voluntários rumaram no domingo, 11 de março, ao Belém Novo, local de onde saíram em caiaques ou em um  barco à motor capitaneado por Latifeh Alves Aziz, pescadora artesanal e colaboradora da  quinta edição da Remada Ecológica. A atividade teve como objetivo  despertar a sociedade para a importância da preservação da área, onde se localiza a Fazenda do Arado.

  

Marcos Almeida Pfeifer    
Lixo recolhido durante a V Remada Ecológica Preserva Arado.


Por Marcos Almeida Pfeifer

Era quase sete da manhã quando os raios de sol, com suavidade, mostravam o dia entre as plantas e a janela. Nas ruas de Porto Alegre o ar característico da transição do verão para o outono trazia um cheiro de terra mais úmida. A manhã azulada de céu sem nuvens, com pouco vento e ar ameno, prenunciava um dia quente, de ótima condição climática para aproveitar os parques e caminhos ao ar livre da cidade. Daqueles dias que nos proporcionam maior conexão com a natureza e integração entre as pessoas.

Inspirados com este propósito dezenas de voluntários rumaram no domingo, 11 de março, ao Belém Novo, local de onde saíram em caiaques ou em um  barco à motor capitaneado por Latifeh Alves Aziz, pescadora artesanal e colaboradora da  quinta edição da Remada Ecológica. A atividade teve como objetivo  despertar a sociedade para a importância da preservação da área, onde se localiza a Fazenda do Arado.  A travessia é feita da praia de Belém Novo até o Pontal do Arado, um percurso de cerca de dois quilômetros pelas águas do rio Guaíba, propiciando uma tomada de consciência para a riqueza ambiental que temos em Porto Alegre. A chegada no destino do Arado, na prainha de água doce com mata nativa atrás e o banho compensador depois do sol forte, confirmam a prioridade de conhecermos nossa terra e preservar seus elementos, essenciais para a nossa vida, e quem sabe, ao equilíbrio humano das novas gerações.

Após essa conexão com o local os participantes realizaram uma trilha por dentro da mata que conduz ao outro lado do Pontal, onde mulheres, homens e crianças, sob a coordenação de Vagner Rocha, do Movimento Preserva Arado, fizeram o recolhimento do lixo acumulado na praia e na entrada da mata. O material encontrado em grande parte vem pelas águas do rio que sobem em épocas de cheia, porém é nada mais do que o resultado da nossa incapacidade de lidar com o meio ambiente que nos integra, do qual somos parte. No final da atividade foram reunidos 869 quilos de materiais plásticos, 75 de ferro, lata e sucata, 58 de isopor e 32 de latinhas, vidros e outros, segundo dados da Cooperativa dos Catadores Recicláveis do Loteamento Cavalhada (Ascat).

Rocha, explica que a remada surgiu como atividade paralela ao movimento, contribuindo para a conscientização e difusão da preservação da Fazenda do Arado, e tendo como ação prática  levar às pessoas ao local para que participem da limpeza da orla e percebam a importância deste ecossistema.

 

A importância ambiental do Pontal do Arado

Os organizadores da remada destacam que a importância do encontro está na reafirmação da preservação da Fazenda do Arado, pois trata-se de um patrimônio insubstituível para os moradores de Porto Alegre. O mutirão da limpeza realizada na orla e na entrada da matatem como objetivo mostrar o descaso dos proprietários da área em relação ao acúmulo de lixo e resíduos no local. Os proprietários, que são incorporadores do ramo imobiliário, não adotam medidas de cuidado ambiental como pleitear ao poder público a limpeza regular das praias. 

A Fazenda do Arado integra a paisagem da região do Extremo-Sul da cidade e situa-se às margens do rio Guaíba e ao lado do bairro Belém Novo. São 426 hectares de terreno baixo, sujeitos à inundações e alagamentos, tanto pela subida do nível do rio, quanto pelo represamento da água da chuva. Por isso ela apresenta várzeas com maricás (arbusto de grande capacidade fotossintética) e banhados, incluindo ainda áreas de mata atlântica, caracterizando um ecossistema de restinga, típico da planície costeira do Rio Grande do Sul. A paisagem da mata atlântica se expressa na Ponta e no Morro do Arado.

Além de outros aspectos sociais, históricos e culturais que a região do Arado apresenta, somente pelo aspecto ambiental e sobretudo por isto, cresce a consciência e a necessidade de sua preservação. Imaginem uma paisagem dessas: quando se esgota o núcleo urbano de Porto Alegre e encontra-se uma imensa e densa área verde, na qual se chega por via fluvial, apreciando as águas do Guaíba, onde o encontramos limpo. Depois o rio ganha contornos, desaguando nas praias do Arado, que o recebe com suas areias e, no interior, nos proporciona um nicho ecológico composto por mata atlântica, áreas de restinga e uma fauna riquíssima repleta de aves, mamíferos, répteis, podendo citar como exemplos o bugio ruivo, o gato maracajá e até jacarés.

Uma área em cujas praias a água do Guaíba se encontra balneável e convidativa para um banho. Há relatos de pessoas que consideram esses balneários um paraíso dentro da capital gaúcha e que ainda pode ser desfrutado por todos.

A importância da preservação da área, assume níveis maiores quando se trata da sua relevância climática. Começa por ser uma planície de inundação das cheias do Guaíba, passa pela ação purificadora das águas da chuva e do rio (a vegetação nativa permite a limpeza natural das águas superficiais), e purifica o ar, porque a transpiração da vegetação reduz a temperatura da região. É ainda refúgio de centenas de espécies animais, incluindo peixes, que são indispensáveis para a sobrevivência e renda dos pescadores artesanais da região. Também refúgio e ninho de uma centena de espécies de aves.  

 

Atual situação jurídica

Em 2015 a Câmara Municipal aprovou uma lei complementar enviada pelo executivo que ampliava a capacidade construtiva na área da Fazenda do Arado, violando o Plano Diretor de Porto Alegre. A nova lei modificou os limites do regime urbanístico da Fazenda, ampliando os limites construtivos da área rural do município, sem prévia participação popular. Provocada por ação civil pública do Ministério Público do Rio Grande do Sul, a Justiça suspendeu em Abril de 2017, liminarmente, a eficácia da lei.

Até a aprovação dessa lei, a Fazenda do Arado se enquadrava num regime urbanístico que previa Zona Rural e Área de Proteção do Ambiente Natural, com limite máximo de 276 economias, entre casas e edificações. Com a modificação do regime causada pela aprovação da lei em 2015, essa capacidade foi ampliada em 12 vezes saltando para 3.664 construções. O resultado seria a supressão completa da zona rural, além do comprometimento definitivo de todo o nicho ecológico representativo da mata atlântica e planície costeira, um regulador climático em potencial.O motivo da modificação do Plano Diretor - comprovadamente inconstitucional pela justiça gaúcha- iria atender a um empreendimento para a construção de três condomínios fechados, resultando em mais de 2 mil casas. Isto representaria a privatização de um patrimônio ambiental pertencente a todo o município, a toda uma população, e principalmente a um equilíbrio ambiental indispensável à qualidade de vida, que cada vez mais buscamos nos tempos atuais. Dessa forma,, qualquer empreendimento imobiliário no Arado, principalmente deste porte, significa subtrair de mais de um milhão de pessoas um bem ambiental para um número reduzido de moradores. Conforme o Movimento Preserva Arado a área cumpre uma função ambiental, e por si só, social, tão ampla, que interfere na regulação do clima da região Leste do Rio Grande do Sul, e segundo análises geográficas, consequentemente desta porção territorial no papel climático do continente Sul-Americano.

 

Da nossa incapacidade de lidar com o planeta

Durante a limpeza da orla foram encontrados pedaços de chinelo (alguns quase inteiros), resíduos de medicamentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, latas, alumínio, vidros e sobretudo muito plástico. Ao nos depararmos com tantas embalagens, chamam atenção algumas questões: descartamos de forma equivocada muitas vezes nosso lixo, não separando o seco do orgânico com discernimento; o poder público não cumpre de um modo mais amplo e sistêmico a coleta seletiva, deixando muitas áreas da cidade ainda sem cobertura deste serviço; consumimos de forma exagerada, adquirindo alimentos acondicionados em embalagens sem mensurar o impacto que estas vão causar ao meio ambiente e às águas; este consumo é geralmente desnecessário, pois se adquirirmos alimentos naturais nas feiras, poderemos fazer nosso suco, cozinhar nosso próprio molho.

Vale lembrar que não se trata de retirar o valor agregado pela agroindústria ou desestimular a produção, mas gerar um consumo baseado numa produção mais retornável das embalagens diretamente a quem produziu, e substancialmente modificar os padrões de consumo, onde a produção natural venha a se sobressair sobre o industrializado, diminuindo o aporte de insumos, energia, água e toda uma logística desgastante para o processamento. Essa reversão para o que realmente necessitamos consumir e em que condições consumir, passa unicamente pela nossa iniciativa.

Quanto aos demais resíduos encontrados, entre eles as borrachas de chinelo e tubos de medicamentos, nós buscamos as informações sobre o seu descarte adequado? Quando um resto de calçado vem parar na outra ponta da orla do rio, num lugar distante do centro urbano, pensamos em como este resíduo foi parar ali?

 

Navegar, conhecer, preservar

Por isso,  preservar a Fazenda do Arado é participar dos encontros, seja remando nos caiaques ou a bordo do barco de popa. É se integrar no mutirão de limpeza. É simplesmente, num momento do dia, partilhar nas redes sociais as ações dos Movimentos Preserva Arado e Preserva Belém Novo. É ir conhecer essas localidades, esses santuários dentro de uma Metrópole como Porto Alegre. É desfrutar de um incomparável banho de rio, nas águas que diuturnamente nos sustentam, e que sustentaram tantas mulheres e homens que vieram antes de nós. Preservar a Fazenda do Arado, é quando num mutirão de limpeza da orla, nos colocamos no lugar do recicladores e moradores de rua, que todos os dias fazem o trabalho que nós, realizamos uma ou duas vezes por ano.

Preservar o Arado, os ecossistemas de mata atlântica e planície costeira, que se mostram através dos morros, areais e a água doce do rio Guaíba, é perceber um caminho ainda maior, que se abre para a preservação de mais áreas verdes e de proteção ambiental em nosso município. É perceber a necessidade de uma integração mais ampla com o rural e a natureza, é perceber que o cuidado e a preservação destes ambientes são fundamentais para a ressignificação da vida em nossa zona urbana.

Ler esta matéria, além de outros artigos sobre a temática ambiental, pode auxiliar a uma abertura de caminhos e reflexões. Mas somente um contato direto - vivenciando a natureza, seja indo até a orla de Belém Novo ou se permitindo a experiência numa travessia de barco pelo rio – poderá despertar no ser humano uma conexão mais ampla com a terra, pois se sentirá integrado a este “novo” ambiente. Perceberá então uma nova cidade, pois terá ampliado seus limites e vivenciado uma experiência que nos mostra um rio com águas limpas, natureza, mata e praias de água doce.

Aproximar os habitantes de Porto Alegre da natureza que começa em Belém Novo e se expande pela Fazenda do Arado, pode ser a chave para atitudes mais positivas, reverberando e trazendo um novo olhar para o seu espaço urbano, rua, bairro. Estimulando, assim a revisão de padrões de consumo, além de um cuidado com o acondicionamento e descarte dos resíduos, desencadeando um novo pensar humano e social, propiciando uma maior integração entre as pessoas.

E, ao realizar de barco, a travessia de Belém Novo à Reserva do Arado, acompanhando a remada ecológica, foi que descobri de onde vem o aroma úmido de terra, o qual sentia na troca das estações; quando desembarquei nas areias da ponta do Arado, e me permiti um banho nas águas limpas do Guaíba.

Ficam algumas questões para que possamos pensar juntos. Somos uma cidade composta pelo conjunto da população de Porto Alegre, ou apenas um grupo? Temos consciência de que somos filhos da natureza, e de que essas águas do Guaíba são nossa mãe por excelência? E que quando a estamos navegando, aumenta a nossa consciência de somos pequenos perante a natureza?

 

  
  
  
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