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Observatório de Jornalismo Ambiental

Segunda-feira, 15 de Agosto de 2022

 
     

As armadilhas do “desenvolvimento sustentávelâ€

  

No jornalismo, há uma recomendação centenária para se evitar o lugar-comum, o chavão, o clichê. Da teoria à prática, porém, há muito mais ciladas do que se possa prever

  

Reprodução de imagem da plataforma ECOA do portal Uol


Por Sérgio Pereira*

Permitam-me fugir um pouco à clipagem analítica semanal para tentar responder a uma questão já não tão recente e que, eventualmente, ainda surge, muitas vezes em tom inquisitório, aos jornalistas ambientais: por que devemos evitar o termo “desenvolvimento sustentável” (DS)? Pergunta que, muitas vezes, vem acompanhada da justificativa, quase um bordão, “mas todo mundo usa”.

Verdade. A expressão foi amplamente adotada pelos jornalistas brasileiros. A plataforma ECOA, do portal Uol, por exemplo, empregou a expressão no texto intitulado “R$ 5,4 bi sem desmatar: Brasil pode fazer economia crescer de forma verde?”, postado no último dia 6 de agosto. Outro exemplo recente: Folha de S.Paulo, no dia 12 passado, postou em seu site a matéria “Agência de desenvolvimento sustentável da ONU recebe recursos de petroleiras na Amazônia”. Uma rápida pesquisa no Google encontra 20.900 notícias com DS na língua portuguesa nos últimos 30 dias.

“Desenvolvimento sustentável” já era utilizado desde a década de 1970, mas em 1988 recebeu a chancela das Nações Unidas quando foi conceituado no Relatório Brundtland, elaborado a partir da World Commission on Environment and Development (WCED). No documento, o termo é definido como “aquele que atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”. A crítica que se faz ao relatório é o fato de não ter se preocupado em detalhar as ações necessárias para se atingir esse objetivo. A partir de Brundtland, porém, a expressão se espraiou pelos confins midiáticos.

No jornalismo, há uma recomendação centenária para se evitar o lugar-comum, o chavão, o clichê. Da teoria à prática, porém, há muito mais ciladas do que se possa prever. Prova disso é que, hoje, é raro encontrar um texto sobre meio ambiente na imprensa sem estar associado a “desenvolvimento sustentável”. O conceito, com certa aparência de politicamente correto, na verdade é uma “armadilha” na visão de Leonardo Boff, teólogo, filósofo, escritor e membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

Autor de “Sustentabilidade: o que é – o que não é”, Boff faz uma crítica ao uso de DS, que define como “antropocêntrico, contraditório e equivocado” em artigo no seu blog. Antropocêntrico por se focar apenas na humanidade, ignorando flora, fauna e demais organismos vivos, todos dependentes da biosfera. Contraditório porque os termos se opõem. Desenvolvimento implica a exploração da natureza e “privilegia a acumulação privada”. Sustentabilidade, por sua vez, está ligada à ecologia e às ciências da vida. E equivocado porque aponta a pobreza como causador da depredação ambiental. Para Boff, “as causas reais da pobreza e da degradação da natureza, vê-se que resultam, não exclusiva, mas principalmente, do tipo de desenvolvimento praticado. É ele que produz degradação, pois delapida a natureza, paga baixos salários e gera assim pobreza”.

Carlos Walter Porto Gonçalves critica a ideia de desenvolvimento, que na “sociedade moderno-colonial, pressupõe a dominação da natureza”. Aprofundando a reflexão ele nos diz que “desenvolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo mantém com seu espaço, com seu território; é submeter o modo como cada povo mantém suas próprias relações de homens (e mulheres) entre si e destes com a natureza; é não só separar os homens (e mulheres) da natureza como, também, separá-los entre si, individualizando-os”. Essa separação abre o caminho para a dominação e para êxito da sociedade capitalista, o que nos leva a concluir que desenvolvimento não é sustentável.

Já para Ricardo Garcia, o problema é justamente a complexidade do termo, nem sempre devidamente delineado nos textos. O autor usa “faca de dois gumes” para se referir a DS. “É um conceito genérico, que se presta a muitas teorias e que, tratado de forma abstrata numa reportagem, pode levar o leitor imediatamente ao sono profundo. Fica bem em editorias e artigos de opinião sobre o ambiente. Soa grave e importante dizer, por exemplo, que um governo não faz nada pelo desenvolvimento sustentável: ninguém entende exatamente o que isto quer dizer, mas aquele Governo certamente não vai bem”, brinca Garcia.

O professor Wilson da Costa Bueno também alerta para os riscos do que ele chama de “conceito cosmético”. Para Bueno, o conceito de DS já está “contaminado (…) com a perspectiva econômico-financeira e é visto especialmente como um problema de gestão empresarial”. O professor argumenta que “o desenvolvimento sustentável para o jornalismo ambiental tem a ver com a qualidade de vida dos cidadãos e extrapola a vertente meramente econômica. Tem a ver inclusive com o monopólio dos meios de comunicação, que impede o livre debate das ideias e se sustenta pelo incentivo ao consumo exacerbado, quase sempre danoso ao meio ambiente”.

O tema, com certeza, não se esgota nessas breves considerações. Há vários autores, outros pontos de vista, que mereceriam ser analisados. O objetivo aqui era apenas levantar pontos que tragam alguma contribuição na reflexão sobre esse conceito que se tornou viral, buscando assim lançar algumas ponderações sobre o subjetivismo da prática jornalística.

 

 

 

*Texto produzido no âmbito do projeto de extensão "Observatório de Jornalismo Ambiental" por integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). A republicação é uma parceria com o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS). Sérgio Pereira é jornalista, servidor público, mestrando em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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