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Terça-feira, 25 de Agosto de 2015
  
Por uma abordagem ecossistêmica da crise hídrica

Em contexto de crise sistêmica, é preciso refletir sobre o esgotamento do modelo econômico hegemônico e buscar relações ecológicas harmônicas

 

  
Por Paulo Brack
  

Frequentemente a grande mídia e os governos encaram os problemas ambientais de forma fragmentada, com simplificações inadequadas, desconsiderando os dados mais relevantes quanto às causas destes problemas, muitos deles históricos e em processo de agravamento na atualidade. A crise hídrica (quantidade, qualidade e condições bióticas dos ecossistemas hídricos) é talvez o problema ambiental mais importante da atualidade. Antônio Nobre, cientista do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), alertou há mais de seis anos para o que poderia acontecer, ou seja, um possível colapso de abastecimento de água, na região da grande São Paulo, se nada fosse feito para conter os desmatamentos tanto na Amazônia como no próprio Estado de São Paulo. O cientista divulgou a importância do tema dos chamados Rios Voadores (grandes massas de nuvens com conteúdo de água superior a dos rios da bacia amazônica, associadas ao ciclo da água desde as chuvas nas florestas do norte até os corredores de umidades que alimentam chuvas nas regiões sul e sudeste do Brasil), mas não foi escutado pelos governantes.

Também nada foi feito também desde o relatório do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à ONU, lançado em 2007, que já apontava a possibilidade de consequências sobre biomas brasileiros, como a transformação da floresta amazônica em vegetação mais seca e rarefeita, com perdas progressivas semelhantes também na Mata Atlântica e transformação de grandes áreas da Caatinga em desertos. Simultaneamente, em 2007, o Brasil comemorava o lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e dava tom de otimismo coma redução do tal "Risco País" (ver Capítulo: Os Comandante da Nau Terra enlouqueceram? E nós, para onde vamos?), mas negavam a crise climática e o futuro incerto no Brasil. Em 2012, o negacionismo da crise ambiental no Brasil, ligado a um movimento parlamentar inédito de setor do agronegócio, provocou um dos maiores retrocessos na legislação ambiental, a substituição da Lei 4.771/1965, o então Código Florestal, pela Lei 12.651, que anistiou desmatadores e flexibilizou a proteção da vegetação nativa.

Estamos, na realidade, entrando em uma fase de crise sistêmica, em progressivo agravamento. No Brasil, a falta de água inédita na região Sudeste e Nordeste, integrada a outras situações de eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade, representam indícios cada vez mais consolidados de que as mudanças climáticas, refletidas em maior frequência de eventos extremos, vieram para ficar. Um dos mais renomados cientistas do clima, Carlos Nobre, que hoje preside atualmente a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior), alertava em uma aula magna na UFRGS há poucos anos, que estes fenômenos (secas devastadoras, chuvas torrenciais, tornados e furacões) serão cada vez mais intensos e comuns, e o ciclo das mudanças climáticas durará décadas ou até séculos, mesmo que se cessem as causas atuais de origem antrópica (elevação dos gases de efeito estufa).

Outro fato que envolve umidade e vegetação (ou a falta das duas) que ainda não foi suficientemente tratado é aquele relacionado com a paulatina destruição de vegetação de Cerrado e Floresta Amazônica na região central do País, com queimadas crescentes, verificando-se um clima cada vez mais seco (índices muito baixos em umidade relativa do ar), em sinais de atenção e alerta, respectivamente abaixo de 30% e entre 20% e 12% de UR do ar. A baixa UR do ar pode causar problemas cardíacos, pulmonares, trazendo incômodos com narinas e gargantas secas. A mudança faz com a população precise tomar cuidados especiais com a proteção da pele, por meio da ingestão maior de água, uso de vaporizador, evitando a desidratação. A cidade de Porto Velho (RO), em pleno bioma Amazônia, que sofre desmatamentos (para pastagem) em sua região norte do Estado é afetada por secas e queimadas entre maio e agosto, chegando a apresentar, em 2010, umidade relativa do ar em índices de 10%, considerados valores de estado de emergência, semelhantes aos do deserto do Saara.

Juntamente às crises hídrica e climática, estamos testemunhando também da Sexta Extinção em Massa da Biodiversidade, fenômeno já reportado em inúmeros trabalhos científicos. No Brasil, sofremos também com aumento de desmatamentos na Amazônia, e perda ou conversão crescente da cobertura natural de todos os biomas para monoculturas e outras atividades, como grandes hidrelétricas e outras obras, com crescimento de uso de recursos naturais e também expansão ilimitada de regiões urbanas, uso crescente de produtos químicos sintéticos, no bojo da ultra transformação da natureza, que gera lucros tanto na destruição dos processos sistêmicos da vida como no caso da tentativa de "remediar" suas consequências. Estaremos entrando em uma fase de colapsos e pré-colapsos, numa guerra incessante e silenciosa contra a natureza, ilustrada pela ecofeminista espanhola Yayo Herrero, e neste caso as consequências são trágicas para os seres humanos mais vulneráveis do mundo, representados aqui no Brasil pelos povos indígenas e comunidades tradicionais e camadas sociais despossuídas que vivem em áreas de risco, por exemplo.

Segue em voga, como "solução" para a crise econômico-financeira, que eclipsa as demais, o paradigma do crescimento econômico ilimitado, em molde dos BRICS ou no molde da economia hegemônica neoliberal que nega as causas da crise hídrica provocada pelo desmatamento e mudanças climáticas, e aproveita as crises para gerar mais negócios. Teremos outra Conferência do Clima em 2015, em Paris, mas tudo indica que será mais uma vitrine das boas intenções e poucas ações como foi a Rio + 20 (20 anos após a Conferência de Meio Ambiente que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992).

Em nosso País, a crise política com as mirabolantes propostas dos congressistas do atraso ameaça ainda mais o futuro incerto da água e da biodiversidade, como aponta a WWF (Fundo Mundial para a Vida Silvestre), em recente artigo de Jaime Gesinsky “Projetos de lei ameaçam futuro hídrico, climático e a biodiversidade do país”. O artigo aponta que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) está planejando a diminuição das zonas de amortecimento das Unidades de Conservação, com a facilitação de mineração em áreas indígenas. Ademais, para engrossar o clima de aniquilamento da legislação ambiental brasileira, o  presidente do Senado, Renan Calheiros, lançou o que chama de “Agenda Brasil” que reúne outras tantas propostas de retrocessos, como terminar com áreas de marinha, agilizar licenças ambientais e facilitar a mineração em áreas protegidas, desconsiderando que já vivemos quase um vale tudo no processo de licenciamento.

A situação ambiental se agrava, e ninguém pode negar de sã consciência este fato. Porém o imediatismo de setores gananciosos que se apoderaram do legislativo e do poder executivo traz a sede voraz de seus pleitos que beiram a pilhagem e representam a apropriação de nossos recursos naturais, principalmente para favorecer as corporações econômicas que financiam suas campanhas eleitorais. Isso, mesmo que não seja consolo, não é exclusividade do Brasil.

Somente teremos saída a partir de avaliações profundas deste processo em nível mundial, das consequências decorrente deste modelo de esgotamento da economia hegemônica atual. E a saída também passa por uma reflexão sobre o esgotamento do modelo, que apontem para outros paradigmas, que não o do produtivismo, da acumulação e da competitividade, que destroem a água, o ar, o solo, a biodiversidade e a busca por relações ecológicas harmônicas dos seres humanos, entre si, e com a natureza.

O tempo é cada vez mais curto, mas ainda temos o compromisso ético pela busca de uma reconexão com nossos sistemas ecológicos, desapegados da lógica do crescimento e da escravidão financeira atual, como nos ensina o professor de Ciência Política da Universidad Autónoma de Madrid, Carlos Taibo. Este e outros tantos cientistas ou pensadores, entre os quais também citamos Michael Lowy, brasileiro radicado na França, trazem elementos simples para uma vida coletivamente autônoma, libertária, com características locais, na procura do bem viver, mas enfrentando e superando o sistema de acumulação sem limites e seu modelo de esgotamento que está na raiz dos problemas atuais e sistêmicos.

 

  
             
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