Nunca, como agora, foi tão óbvio perceber o quanto Santa Catarina depende da natureza preservada para o seu desenvolvimento. Essa tragédia nada mais foi do que uma das conseqüências de avançarmos o sinal vermelho. A cada dia devastamos mais a Mata Atlântica, ignorando os limites da sustentabilidade.
Em pouco mais de uma década, esta é a segunda chuva intensa que atinge nosso Estado, derretendo montanhas inteiras e assoreando grandes extensões de vales com solos estéreis. O aguaceiro de 1995, na Serra Geral, que atingiu os municípios de Jacinto Machado, Timbé do Sul e Siderópolis, fez menos vítimas porque ocorreu numa região pouco habitada.
As vítimas decorrentes dessa exploração predatória dos recursos naturais e da ocupação inadequada dos morros e encostas com plantação e construção de casas não foram apenas as pessoas soterradas nos desmoronamentos. Mas também nossas crianças e quem ainda vai nascer. Elas herdarão esse território cada vez mais arrasado, sem opções de uso e tão perigoso quanto um campo minado até para passeios nos finais de semana.
Observem nas imagens dessa última tragédia quanta área de agricultura e solo foi perdida para sempre em Ilhota, Gaspar e Luís Alves. É exatamente isso que estamos deixando para as gerações futuras, que certamente não terão a quem recorrer para pedir socorro. Está aí a prova inequívoca de que a ocupação que estamos fazendo não é sustentável.
Registros do passado revelam que esse fenômeno de chuvas intensas é recorrente em nosso Estado, mas tem sido cada vez mais devastador em número de vítimas e prejuízos materiais à medida que avançamos com nossa ação predatória sobre as áreas preservadas, aniquilando com milhares de espécies de plantas e animais e acabando com os recursos hídricos. Só em Santa Catarina conseguimos destruir mais florestas nativas nas últimas décadas do que em toda a Europa em mais de dois mil anos. E, agora, assim como os europeus, estamos pagando um preço muito alto por isso.
A prosperidade de nosso Estado está fortemente ameaçada com essa rotina de catástrofes ambientais devastadoras. Tudo é conseqüência do fato de que cada geração entrega para a seguinte um meio ambiente mais arruinado do que encontrou. Já é hora de nossa geração começar a interromper esse processo cujo final será inevitavelmente o colapso.
Aprendemos muito com as tragédias dos últimos 150 de anos de ocupação cada vez mais intensa das planícies e dos morros recobertos de mata atlântica. Baseando-se nessa experiência acumulada, a sociedade brasileira criou leis ambientais, como o código florestal, justamente para evitar essas tragédias. Contudo, temos desrespeitado essas leis achando que são entraves para o desenvolvimento, quando, na verdade, foram feitas para salvar as nossas vidas e proporcionar as condições para o verdadeiro desenvolvimento sustentável.
Devemos fazer a lição de casa e tratar a natureza com respeito ou ficaremos a cada temporal pedindo socorro para o Brasil inteiro como se não tivéssemos culpa pelo castigo. Somos vítimas de nós mesmos. Podemos reconstruir nossas casas quantas vezes forem necessárias, mas a natureza, da qual nossas vidas dependem, não. A destruição é para sempre.
O autor é físico e ambientalista do Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade, de Jaraguá do Sul - Santa Catarina.
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