Untitled Document
Bom dia, 29 de mar
Untitled Document
Untitled Document
  
Untitled Document
EcoAgência > Artigos
    
 
Quarta-feira, 17 de Março de 2010
  
Ãgua – Questão de Sobrevivência!

Quando a comunidade se mobiliza realmente obtém resultados. No caso do Silvado, faz-se cada vez mais necessária a mobilização dos maricaenses com objetivo de exigir das autoridades a desapropriação da área e a criação de uma reserva extrativista.

  
Por Douglas Carrara
  

 “Apesar de que a saúde seja o maior de nossos bens relativos ao corpo, é, entretanto, aquele no qual menos refletimos e que menos respeitamos. O conhecimento da verdade é como a saúde da alma: quando se a possui, já não se pensa mais nela.” René Descartes (1596-1650) 
 

O abastecimento de água da cidade de Maricá há muitos anos vem sendo fornecido pela bacia do rio Ubatiba, que nasce no Silvado, sistema orográfico de morros e colinas que no passado era totalmente coberto pela Mata Atlântica. A CEDAE, empresa estadual, faz a captação do precioso líquido no rio Ubatiba e promove o tratamento físico-químico da água que os maricaenses consomem através de estação de tratamento existente no bairro do Flamengo.

     Portanto, Maricá é um dos raros municípios brasileiros que dispõe de mananciais de água oriundas de seu próprio território. Seria realmente uma grande vantagem se houvesse o aproveitamento integral do perfil pluviométrico da região e a qualidade da água estivesse garantida.

     Inicialmente, quando o Silvado ainda era intensamente coberto de florestas, com inúmeras espécies vegetais úteis e, inclusive, medicinais, o fornecimento de água era abundante e atendia plenamente à pequena população de Maricá. A própria etimologia do nome Silvado, não nos permite mentir . . .

     Entretanto nos últimos 30 a 40 anos, com o intenso desmatamento que o Silvado sofreu para a implantação de pecuária bovina extensiva, a captação de água para o abastecimento da população vem decaindo na medida em que a população cresce em progressão geométrica, principalmente em decorrência da migração de moradores do Rio de Janeiro e Niterói, fugindo da intensa guerra civil que infelizmente assola esses dois importantes centros urbanos.

     Atualmente o nível do rio Ubatiba, onde ocorre a captação, dificilmente ultrapassa 1 metro de altura. Mesmo durante o período das chuvas, o nível do rio decresce muito rapidamente, já que a cobertura vegetal é escassa na região. Após as grandes chuvas torrenciais, a maior parte da água escorre celeremente para o mar.

     Evidentemente existem no Silvado algumas áreas ainda florestadas, mas, em grande parte, os rios e riachos que abastecem o rio Ubatiba estão desprotegidos sem cobertura vegetal. Esclarecemos que a ausência de matas ciliares não permite a retenção das águas pluviais na região, ainda que aumentem a vazão do rio. Para que a água seja incorporada ao lençol freático, é necessário que existam árvores dicotiledôneas, isto é, que possuam raízes axiais, vulgarmente conhecidas como piões, para que as águas pluviais sejam canalizadas para os lençóis freáticos da região, tornando a região permanentemente abastecida de água, mesmo durante as estações não chuvosas.

     Por outro lado, além da questão da quantidade de água necessária para o abastecimento de uma população que cada vez cresce mais, existe também a questão da qualidade da água para consumo humano. Sabemos que a maioria das fazendas existentes no Silvado ocupa toda a área útil disponível para a criação de gado extensiva e obviamente permite que o gado tenha acesso aos rios e riachos da bacia da região. Evidentemente defecam e urinam na água que será captada posteriormente pela CEDAE, permitindo com isso que todos os nutrientes ou medicamentos prescritos para os animais acabem dissolvidos na água que todos nós maricaenses bebemos e consumimos, além dos coliformes fecais, é claro. Sabemos que atualmente a pecuária moderna faz uso de hormônios e antibióticos para favorecer a engorda dos animais e aumentar a produção de leite.

     Além dos prejuízos causados aos seres humanos que consomem carne e leite produzidos desta maneira, recebemos também uma carga extra através dos dejetos animais.

     Recentemente cientistas ingleses constataram inúmeras transformações sexuais que vinham ocorrendo em indivíduos do sexo masculino, moradores de determinados bairros da cidade de Londres. Os homens estavam adquirindo traços femininos, mamas crescidas, e doenças até então não ocorrentes. Não por mera coincidência tratava-se dos bairros que recebiam água tratada dos esgotos da própria cidade. Nos demais bairros o fenômeno não se verificava. Depois de análises e pesquisas, chegaram à conclusão que as alterações hormonais eram promovidas pelos anticoncepcionais femininos eliminados através da urina das mulheres, consumidos por homens, já que as estações de tratamento não faziam a depuração dos hormônios dissolvidos na água dos esgotos sanitários.

     Obviamente  não será a CEDAE com os recursos elementares que utiliza para o tratamento da água dos maricaenses que conseguirá depurar a água de hormônios e antibióticos oriundos dos dejetos bovinos ...

     Portanto somos necessariamente obrigados a refletir sobre a origem do problema. Como admitir que os mananciais que abastecem Maricá sejam ocupados majoritariamente pela pecuária extensiva, sem que o poder público municipal e até mesmo estadual  interfira para que todo esse manancial seja definitivamente preservado. Sabemos que a reserva do Tinguá em Nova Iguaçu ou do Paraíso em Cachoeiras de Macacu, por exemplo, são mananciais de água que não podem ser desmatados e muito menos ocupados por atividades agro-pecuárias. Além disso, o poder público fiscaliza a área através de guardas florestais que impedem ou tentam impedir o desmatamento na região. E aí perguntamos porque a captação de recursos hídricos ocorre de maneira tão precária trazendo riscos para os moradores da cidade de Maricá.

     Esse grave problema tem solução? Sim, depende de vontade política. Basta visitar a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. No século XIX, os moradores do Rio de Janeiro sofriam com a falta de água. E foi a necessidade de água para a população o fator decisivo para que as autoridades imperiais sancionassem uma lei em 15/06/1850 desapropriando os terrenos “generativos das fontes” pertencentes a fazendeiros de café, veranistas e pecuaristas. As medidas tomadas para impedir o desmatamento foram severas. Os que infringiam a lei sofriam repressão policial. Entretanto a falta de água e a devastação somente foram contidas, que até então se limitavam à vigilância da floresta, com a contratação do Major Archer em 1861, designando-o como administrador da Floresta da Tijuca. Em janeiro de 1862, Archer deu início aos trabalhos de reflorestamento, produzindo mudas de ipê, catucaém, cangerana, louro-pardo, canela, anda-açu, ubatã, sapucaia, jaqueiras, etc. trazidas em lombo de burros conduzidos por escravos, perfazendo um total de 19 trabalhadores nos primeiros três anos de trabalho. Conseguiram plantar no período em torno de 24.000 árvores, tendo sobrevivido apenas 19.000. E assim sucessivamente o trabalho prosseguiu até o ano de 1888, através das administrações posteriores, contabilizando aproximadamente 90 mil árvores plantadas. O Barão do Bom Retiro, grande defensor do reflorestamento da Tijuca,  insistia na época, nas desapropriações, afirmando que nunca poderia ser completo e verdadeiramente proveitoso semelhante trabalho enquanto aqueles terrenos não pertencessem ao Estado. Dizia que a existência de tais propriedades particulares em tais paragens não só é uma ameaça constante à conservação das matas como prejudicava grandemente a pureza das águas. (2) Ainda que faltasse ao major Archer, estudos regulares de ciências naturais, a observação e a experiência lhe diziam, com bastante sabedoria, que “ o desnudamento imprevidente do solo, especialmente nos terrenos elevados, os empobrece por efeito de lavagem e arrastamento da terra vegetal pelas correntes que se formam na estação invernosa, assim também a criação de florestas é, em sentido contrário, o melhor meio de preparar e fertilizar o solo, pela camada de detritos vegetais que elas lhe prestam, e que cada vez mais o enriquecem.” (2) Seria impossível imaginar que os moradores do Rio de Janeiro permitissem o desmatamento da Floresta da Tijuca nos dias atuais ...

     Evidentemente o que garantiu o sucesso do reflorestamento foi a desapropriação gradativa de toda a área degradada. Da mesma forma, em Maricá, seria necessária a mobilização da comunidade em defesa da natureza ameaçada e do futuro e da saúde de seus filhos.  Não basta promover o reflorestamento do Silvado e permitir que as atividades agro-percuárias continuem. Trata-se não somente de uma questão de saúde pública, mas também de sobrevivência humana. A vida não seria possível sem água. E as autoridades somente agem mediante exigências enérgicas da própria comunidade que vota e elege seus representantes.  Atualmente a melhor maneira de pressionar o poder público é através de organização de entidades em defesa de seus interesses.  Enfim trata-se de uma iniciativa que já deveria ter sido tomada há bastante tempo. Basta refletir sobre o exemplo do bairro de Itapeba do qual sou testemunha.

     Resido em Maricá desde 1993 e logo que cheguei o abastecimento de água era bastante regular. Entretanto nos anos seguintes o fornecimento começou gradativamente a declinar. No início, apenas no verão, quando a cidade recebia muitos visitantes e sitiantes do período das férias escolares. Depois a situação foi se agravando até que passávamos meses inteiros sem absolutamente uma gota de água sequer. Tínhamos que ficar implorando uma pipa de água para a CEDAE, apesar do efetivo pagamento da conta de água. Não nos restou outra alternativa a não ser a mobilização da comunidade, liderada por um morador, Bertônio Bakun, que através de abaixo-assinado obtido junto aos moradores, conseguiu sensibilizar o Ministério Público para acionar a CEDAE. Inúmeras audiências ocorreram, muitas reuniões com a CEDAE e seus dirigentes. Visitamos e percorremos as instalações da CEDAE tentando encontrar soluções para o nosso bairro. No início, a CEDAE aumentou a bitola da canalização de água da rua principal de 40 para 100”, mas nada resolveu. A água não chegava. Depois propuseram a construção de um poço artesiano em nosso próprio bairro. Ora, nosso bairro situa-se do lado do antigo lixão de Itapeba, que após 30 anos de descaso com a saúde da comunidade, foi, após a mobilização intensa da comunidade transferido para o Caxito. E pasmem! O poço artesiano seria construído muito próximo ao antigo lixão. Evidentemente os moradores do bairro não gostaram da proposta que acabou sendo engavetada.

     E como o problema da falta de água não se restringia somente ao nosso bairro, uma nova proposta começou a ser ventilada: a construção de uma nova adutora a partir da estação do Laranjal até Maricá. Seria um investimento altamente custoso atendendo a interesses eleitorais, assim como de empreiteiras interessadas na execução da obra. Além disso, o absurdo e o contra-senso ficaram tão evidentes que acabaram abandonando o projeto. Niterói e São Gonçalo seriam com certeza mais prejudicados porque teriam seu abastecimento reduzido.

     No intervalo surge nova proposta de solução do problema por parte da CEDAE sempre cedendo às exigências e cobranças do Ministério Público Estadual. A construção de novo reservatório no Flamengo, duplicando a capacidade de armazenamento e tratamento de água de Maricá. Com isso tivemos finalmente o nosso problema de falta de água resolvido e desde então não falta mais água em nossas cisternas, depois de um processo de luta que durou vários anos.  Entretanto quanto à questão do reflorestamento dos mananciais e de captação da água no rio Ubatiba, nada mudou.

     Citamos esse exemplo acima, para demonstrar que quando a comunidade se mobiliza realmente obtém resultados. No caso do Silvado, faz-se cada vez mais necessária a mobilização dos maricaenses com objetivo de exigir das autoridades a desapropriação da área e a criação de uma reserva extrativista, de acordo com o Decreto-Lei n. 98.897 de 30 de janeiro de 1990.  A mobilização pode se iniciar com reuniões de moradores interessados na questão da água de abastecimento da cidade e posteriormente, quem sabe, a organização de uma ONG em defesa dos mananciais da cidade.

  
             
Untitled Document
Autorizada a reprodução, citando-se a fonte.
           
 
 
  
  
  Untitled Document
 
 
Portal do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul - Todos os Direitos reservados - 2008