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Quarta-feira, 11 de Novembro de 2009
  
O blecaute de idéias é o pai do apagão

Chega a ser emblemático que este apagão tenha acontecido às vésperas da Conferência do Clima de Copenhague. Nosso sistema interligado precisa ter saídas inteligentes para evitar que problemas isolados contaminem toda a rede

  
Por Carlos Vieira
  

Passadas poucas horas de um apagão que tudo indica ter sido ainda maior do que ocorreu há 10 anos, é cedo ainda para apontar culpados, mas algumas coisas podem ser questionadas. Por exemplo: depois de 10 anos de um blecaute provocado pelo desligamento de uma subestação em Bauru que deixou 10 estados e parte do Paraguai sem luz, como é possível que nosso sistema elétrico ainda exiba as mesmas vulnerabilidades, sofrendo um apagão de quatro horas que afetou 15 estados além, novamente, do vizinho Paraguai?

Ou esta: há duas semanas, a ministra Dilma Rousseff, que até hoje possui enorme influência no Ministério das Minas e Energia, disse que, graças aos investimentos feitos pelo atual governo, o país estava livre do risco de apagões como os que aconteceram no final da gestão Fernando Henrique. Que investimentos foram esses que não evitaram um fenômeno da mesma magnitude ou ainda pior?

De acordo com especialistas ouvidos após o último apagão, mesmo tendo sido provocado por raios ou tempestades, o blecaute tem na sua origem um erro de gestão do sistema. Ou seja, nosso sistema interligado precisa ter saídas inteligentes para evitar que problemas isolados contaminem toda a rede.


Em tempos de Conferência do Clima

Saindo um pouco do que aconteceu agora, podemos também levantar outro questionamento: o racionamento de 2001 foi provocado por um grave problema de falta de chuvas que esvaziou reservatórios importantes para o sistema elétrico nacional, extremamente (85%) dependente de hidrelétricas. O que vem fazendo o governo nesses últimos oito anos para reduzir nossa exposição ao risco da estiagem? Atenção: rezar pra São Pedro não vale.

Contra este problema de oferta o governo até conseguiu respostas, mas sempre mantendo nossa dependência hidrológica ou recuando décadas na história energética, quando é obrigado a aceitar projetos de térmicas a carvão e a óleo combustível. Pouco ou nada foi feito para diversificar nossa matriz ou dotá-la de fontes mais limpas, como eólicas, por exemplo. É uma energia menos firme que a das hidrelétricas, mas seu volume disponível não é pequeno - estudos técnicos apontam uma capacidade eólica de 70 mil MW (cinco vezes Itaipu). Além disso, é estrategicamente complementar a elas, pois os ventos sopram mais quando chove menos, e tudo o que puder ser agregado ao sistema elétrico que signifique poupar os reservatórios - ainda mais quando se trata de energia limpa - é muito bem vindo.

Chega a ser emblemático que este apagão tenha acontecido às vésperas da Conferência do Clima de Copenhague, reunião que pretende discutir questões fundamentais para o futuro da Humanidade e para a qual o presidente Lula acaba de recusar um convite do primeiro-ministro britânico, preferindo enviar ao encontro sua candidata Dilma Rousseff. Com a enorme instabilidade climática que ocorre em todo o planeta, é um tremendo risco depender tanto assim de energia hídrica. Basta um desequilíbrio no regime de chuvas e, de uma hora para outra, o que é energia firme, deixa de ser, tornando o Brasil energeticamente inviável.


Microgeração contra o risco de concentração

Mas há ainda outra questão, esta bem mais antiga e resultante da megalomania tupiniquim de outras épocas - embora os chamados projetos estruturantes ainda façam muito sucesso no atual governo, Madeira e Jirau que o digam. Trata-se da alta concentração em poucos megaprojetos exibida pela nossa matriz energética. É o caso da gigante Itaipu e seus 14 mil MW, responsável por quase 20% da energia consumida no País (no momento do apagão, tarde da noite, esse peso seria ainda maior, porto de 40%). Em qualquer sistema do mundo, essa é uma concentração de carga muito grande para uma unidade apenas. Sem negar sua importância nem a pertinência de sua construção, o fato é que basta uma usina dessas parar e todo o sistema se ressente, como aconteceu agora.

Em diversas atividades econômicas, o que se tem visto mundo afora, ao longo dos últimos anos, é um fenômeno de descentralização e de diversificação, sobretudo em prol da mitigação de riscos que excessivas concentrações de qualquer espécie significam. Esse foi, por exemplo, um dos princípios que norteou a criação da internet, que buscava evitar um colapso no sistema de informações norte-americano no caso da destruição de uma ou duas instalações que concentrassem grandes quantidades de dados.

No campo da energia, pelo menos lá fora, já se verifica essa mesma tendência. Na Europa e nos Estados Unidos já existem projetos de microgeração. Por meio de mini-eólicas ou de placas fotovoltaicas, consumidores norte-americanos e europeus podem produzir energia em pequena escala para uso próprio e disponibilizá-la no sistema quando desejarem. Caso esse consumidor faça um reescalonamento nos seus horários, pode até ganhar algum dinheiro com isso. Basta que mude seus hábitos, de forma a consumir mais energia quando ela está mais disponível na rede (mais barata, portanto), e disponibilizar a produção de seus microgeradores nos momentos de pico do sistema (quando o MWh é mais caro). Pode parecer pouco, mas milhões de microgeradores espalhados pelas cidades acabam não só evitando uma considerável disponibilização do sistema, como ainda colaboram para uma bem vinda pulverização da matriz.

Esse é o embrião do sistema energético que se vislumbra para o século 21. Por aqui, continuamos lidando com apagões de luz e de idéias.
 

  
             
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