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Sexta-feira, 10 de Abril de 2015
  
Os 100 dias da Pasta de Meio Ambiente no RS: vamos comemorar o retrocesso?

Ana Pellini possui hoje cheque em branco para operar o “destravamento” das licenças ambientais para os velhos setores que teimam em não acreditar nos limites e efeitos colaterais do crescimento econômico

  
Por Paulo Brack
  

Nestes 100 dias de mais uma triste gestão da atual pasta da Secretaria Estadual de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEADS), tirada da “cartola” por parte do governo Sartori para substituir (ou enfraquecer) a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), verificamos, sem surpresa, que seus gestores, exógenos da área ambiental, já demonstraram que estão obstinadamente cumprindo sua função na pasta: descontruir os avanços na gestão ambiental e os mecanismos de controle de Estado. Ana Pellini, que teve origem na Secretaria Estadual de Segurança, na década passada, tendo sido secretária adjunta e pessoa de confiança do deputado José Otávio Germano, que dispensa referências, possui hoje cheque em branco para operar o “destravamento” das licenças ambientais para os velhos setores que teimam em não acreditar nos limites e efeitos colaterais do crescimento econômico.

As entidades ecologistas, no final de 2014, alertaram para a nomeação de quem já fora, inclusive, denunciada judicialmente por assédio moral na FEPAM e tinha deixado um rastro incontável de situações traumáticas na gestão do meio ambiente.  Infelizmente, a Justiça do Estado não entendeu de maneira satisfatória a gravidade da situação. Porém, isso não é motivo suficiente para que a sociedade gaúcha assista passivamente o retorno do aniquilamento da pasta para servir aos grandes interesses da cega economia gaúcha.

Entre o rol de retrocessos destes 100 dias, podemos listar os principais:  i) repasse  de atribuições da gestão das Áreas de Preservação Permanente e parte do patrimônio da biodiversidade, que era responsabilidade do DEFAP e da FEPAM, para municípios, em sua maioria despreparados, via mudança apressada de resolução do Consema; ii) tentativa de liberação da mineração de areia do (lago-rio) Guaíba, por meio de um grupo de trabalho sem nenhum técnico do quadro da FEPAM;  iii) retirada, a toque de caixa, de espécies de peixes marinhos da recém aprovada Lista da Fauna Ameaçada do RS, para atender grandes empresas de pesca, fato inédito para os Estados que possuem Zona Costeira;  iv) congelamento da efetivação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) (obrigação da Lei 12651/2012, Novo Código Florestal), deixando o Estado do Rio Grande do Sul amargando o último lugar em cadastros efetivados (0,32%), fortalecendo a desconsideração da necessidade de Reserva Legal para o bioma Pampa; v) acumulação dos cargos de secretária e de presidente da FEPAM, com concentração crescente de poder e forma arbitrária de gestão; vi) manutenção de incerteza na contratação de concursados para FEPAM e SEMA,  mantendo pessoal contratado emergencialmente de forma fragilizada, enfraquecendo os órgãos ambientais; vii) desconstrução da legislação ambiental historicamente mais avançada no Estado, com tentativa de nivelar por baixo, com relação à nacional, mais permissiva.   

Seremos capazes de convencê-los que Gestão Ambiental não é a mesma coisa que Licenciamento? Infelizmente, na época da ex-governadora do Estado (2008 a 2010), o que estava no auge da moda era o tal Balcão de Licenciamentos, a cartorial inanição da gestão ambiental. Quem era o(a) responsável pela FEPAM na época? Deu no que deu: caldo de cultura para a corrupção, que redundou no desencadeamento da Operação Concutare, pela Polícia Federal, em 29 de abril de 2013.

Assim, fica evidente, portanto, que vamos assistir o mais do mesmo:  desconstrução apressada da gestão pública na área ambiental, com mirabolantes propostas  de “autocadastros”, “auto-controles”, “auto-licenciamento”, enfraquecendo a Secretaria de Meio Ambiente, para atender os pleitos dos setores da economia competitivamente mais insustentável possível.

As forças econômicas aliadas do retrocesso já são por demais conhecidas. Por um lado, temos um forte setor ruralista que liderou o aniquilamento do Código Florestal Federal (Lei 4771/1965), até 2012. Por outro, um setor industrial que aposta na diminuição das restrições ambientais, em emissões de poluentes, para dar maior “competitividade” ao Estado. Muitos destes setores são doadores de campanhas eleitorais. Têm controle dos grandes oligopólios de “Comunicação” e também controlam parte importante do executivo e do legislativo e tentam de todas as formas influenciar o judiciário. Se não podem, tentam de todas as formas tangenciar a lei. Mantêm representantes bem pagos no Consema. Sofrem de visão imediatista e negacionista quanto à grave crise ecossistêmica em que vivemos. Enxergar o futuro não é sua “praia”.  Até hoje, não entendem ou aceitam o ciclo da água e sua relação com a vegetação. Alinham-se aos céticos das mudanças climáticas. Não querem enxergar a necessária capacidade de suporte dos sistemas vivos, por isso têm horror ao Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS). Acreditam que não deva haver limites para a ampliação de monoculturas quimicodependentes, principalmente para a soja, mesmo que sejamos hoje os campeões no uso de agrotóxicos e campeões em desmatamento.  Encaram que o caminho é pelas coisas grandes e concentradas e pelo consumo ad infinitum.

Para estes setores, as grandes barragens de irrigação e de geração de energia, a megamineração de carvão são bem vindas. Para isso, montam uma gigantesca logística de exportação de commodities que, a despeito do baixo retorno econômico e máxima degradação, sustentam o processo de acumulação e o círculo vicioso das doações eleitorais de seus preferidos. A Globalização, e com sua versão periférica via Guerra Fiscal, traz para a pauta da elite gaúcha a flexibilização trabalhista e ambiental. É o ápice do “des-envolvimento insustentável”, versão periferia. E com incremento da (indi)gestão ambiental 2.0.

O divórcio entre natureza e economia (disfuncional) amplia-se a níveis estratosféricos. O papel da biodiversidade é negado de forma proposital.  Cabe lembrar que este processo volta e meia se aprofunda.  Quando o Brasil sediou em 2006, em Curitiba, pela primeira vez a Reunião da Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade (COP 8), o Estado do Rio Grande do Sul, (na época do governo do mesmo partido que o atual) foi o único que não enviou nenhum representante para o encontro.  Coincidência ou projeto?

Não acreditamos mais de que exista somente “descaso ambiental”  seja no Estado, no País ou no resto do mundo. Trata-se, isso sim, de um projeto de estrangulamento de conquistas socioambientais, cada vez mais bem bolado. E os gestores da nova construção da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, ao que tudo indica, nestes 100 dias de governo, retomam seu protagonismo.

  
             
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