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Segunda-feira, 21 de Junho de 2010
  
Imprensa, reciclagem e muitas porcentagens

A reciclagem serve aos propósitos da sustentabilidade, mas pode também mascarar alguns desvios importantes. Quando as estatísticas indicam que estamos reciclando uma porcentagem específica de materiais (80%, 90%), elas não nos trazem toda a verdade; pelo contrário, propositalmente dissimulam uma situação nada favorável em termos de sustentabilidade.

  
Por Wilson da Costa Bueno
  

O Brasil recicla, segundo dados do Cempre – Compromisso Empresarial para a Reciclagem, mais de 90% das latas de alumínio, quase 80% do papelão ondulado e cerca de 2/3 dos pneus, índices comparáveis, para estes materiais, aos dos países mais desenvolvidos do mundo. Isso significa que estamos fazendo a nossa lição de casa e que enveredamos finalmente pelo caminho da sustentabilidade?

Se você, amigo ou amiga, tende a responder positivamente à pergunta acima, talvez seja melhor dar uma pausa , pensar um pouco mais antes da declaração final. Isso porque algumas aparências enganam e, nesse caso, infelizmente é o que acontece. Reciclar mais não quer dizer contribuir para aumentar os indicadores de sustentabilidade. O raciocínio parece absurdo, mas é fácil de entender.

Toda questão complexa, como a que envolve a trama da sustentabilidade, precisa ser vista por todos os lados e a reciclagem é apenas um deles. Se você, ensinam os sábios, ficar mirando apenas o tronco de uma árvore, deixará de contemplar a floresta como um todo. Se esta árvore for um eucalipto, e você trabalhar para uma empresa de papel e celulose, certamente estará interessado (a) na biomassa do tronco, ansioso (a) por ver a árvore deitada, porque ela só tem função (quer dizer, dá lucro) depois que tiver se transformado numa pasta. Há árvores que só servem para atender a objetivos comerciais e delas não se espera sombra, flores ou frutos. São, por excelência, contrárias à biodiversidade e chegam, inclusive, a afrontar o conceito de floresta, porque esta tem valor sobretudo quando está de pé.

A reciclagem serve aos propósitos da sustentabilidade, mas pode também mascarar alguns desvios importantes.

Quando as estatísticas indicam que estamos reciclando uma porcentagem específica de materiais (80%, 90%), elas não nos trazem toda a verdade; pelo contrário, propositalmente dissimulam uma situação nada favorável em termos de sustentabilidade. Há uma pergunta que fica sempre faltando (mas gritando dentro da consciência) e que a maioria dos empresários, dos fabricantes de latinhas de cerveja e refrigerantes, de garrafas e sacolas plásticas ou mesmo de papel esconde atrás das porcentagens: mas a produção destes materiais têm, proporcionalmente, diminuído?

Pois é, meu amigo, minha amiga, aí está o problema colocado de maneira correta. Estamos reciclando mais (nem tanto como seria necessário, como a gente ainda poderá ver) porque estamos produzindo mais e isso significa que, em vez de economizar os recursos naturais, os estamos dilapidando com maior intensidade. É como aquela história de redução do desmatamento da Amazônia: não dá para saudar 3% a menos em relação ao mês anterior porque o volume de degradação florestal é sempre alarmante. Um dia, quando houver pouco para desmatar (e esse dia promete chegar, se continuarmos fazendo esta besteira), as porcentagens de desmatamento diminuirão. É para rir ou para chorar?

A produção e o consumo dos materiais a serem reciclados aumentam sensivelmente e os que estão interessados em promover a reciclagem não estão, por outro lado, nem um pouco interessados em produzir menos e a desestimular a redução do consumo. O capitalismo tem a sua lógica e mesmo a sustentabilidade se submete a ela. Reciclar dá dinheiro, meu amigo , minha amiga, e, como todos sabemos, muito mais para os empresários e os intermediários do que para os catadores de papel, de latinhas e de garrafas plásticas.

É preciso mudar de postura, reciclar o conceito, não cair no engodo de festejar estatísticas que servem também para nublar a verdade. A reciclagem é uma alternativa, mas, de per si, não é a solução.

O que, efetivamente, precisamos é produzir menos lixo, fabricar menos latas, vidros e plásticos, consumir com mais consciência, não acreditando (porque é mesmo história da carochinha) que alguém depois irá limpar os resíduos que despejamos no planeta. Não há reciclagem que suporte tanta porcaria e, por isso, construímos cada vez mais lixões, aterros e emporcalhamos nossos rios com bagulhos de todo o tipo. Mais recentemente, iniciamos a criação desenfreada de lixo eletrônico (computadores, televisões e celulares, principalmente) e os fabricantes que pregam o “marketing verde” estão pouco se lixando para o seu destino. Você sabia que menos de 5% dos celulares são reciclados e que os computadores incluem materiais absolutamente perigosos para a vida humana e para a mãe-terra? Onde estamos enfiando tantas pilhas e baterias?

É muito bonito ver o esforço de algumas prefeituras, campanhas empresariais e de milhares de adultos e crianças que se empenham para separar o lixo, mas é lamentável constatar que menos de 10% dos municípios brasileiros fazem a coleta seletiva, ou seja, o material fica separado apenas nas latas coloridas e depois é novamente reunido em depósitos de lixo a céu aberto.

É verdade que centenas de milhares de pessoas (você já não flagrou uma delas remexendo o seu lixo na porta de casa) estão buscando algum sustento com o material jogado fora e que outros milhares de catadores (há cooperativas importantes no Brasil) vivem desta coleta penosa. Mas talvez você ignore um outro dado: a indústria é quem fica com a maior parcela do ganho deste trabalho e os pobres catadores são de novo os explorados nesta história, com um ganho médio mensal inferior a 150 reais. Algum fabricante cínico (há muitos, sabia?) é capaz de argumentar que produz mais porcaria para ajudar os necessitados e ainda pode ter a desfaçatez de concorrer a prêmio de responsabilidade social Você não lembra do raciocínio maluco da indústria tabagista que chegou a argumentar que o fumo ajudava a desonerar a previdência num país europeu porque contribuía para que as pessoas morressem mais cedo?

Dados divulgados em reportagem de Alessandra Pereira, na revista Página 22, da FGV, de julho de 2008, evidenciam que a relação entre reciclagem e meio ambiente não é também tão saudável assim. Vejamos alguns deles. A fabricação de papel reciclado incorpora também substâncias tóxicas e o mesmo acontece no processo de reciclagem de aço e de alumínio. Além disso, o pesquisador Francides Gomes da ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, demonstrou que a fabricação do papel reciclado branco gera seis vezes mais efluentes do que a do papel virgem e que também consome mais energia. Ou seja, o processo está longe de ser sustentável, a não ser que o nosso conceito de sustentabilidade seja tão cosmético quanto o praticado por indústrias agroquímicas, mineradoras, de papel e celulose e de outros segmentos insustentáveis menos votados.

A reciclagem não pode ser vista como um fim em si mesmo, o que não quer dizer que não devemos praticá-la. Muito pelo contrário: um dos pressupostos da postura sustentável é reutilizar os materiais, as embalagens, as sobras de comida (mamãe fazia bolinhos maravilhosos com o arroz que sobrava!), enfim evitar o desperdício.

Fique atento (a) ao discurso da reciclagem e não se deixe levar pelas estatísticas que falseiam a verdade. Em tempo: reciclamos menos da metade do vidro, menos de ¼ das embalagens longa-vida, 1/5 apenas dos plásticos e só 3% dos materiais orgânicos. Estamos ainda mal na fita e não pega bem continuarmos sorrindo, enquanto sorteamos geladeiras Skol para entupirmos de latinhas de cerveja, trocamos mensalmente de celular, carregamos dezenas de sacolinhas plásticas (cada vez mais vagabundas, facilmente rasgáveis e, portanto, inaproveitáveis) dos supermercados.

É preciso reciclar os nossos conceitos de reciclagem e reagirmos ao discurso cínico de muitos fabricantes que não têm a coragem de assumir a sujeira que andam fazendo por aí.

Recicle sempre, sobretudo os seus velhos hábitos de consumo.

Que a mídia brasileira seja mais investigativa e não fique servindo de “mula” ou “laranja” para empresas que fabricam latas, vidros, papel, sacolas plásticas e porcentagens, muitas porcentagens.

Uma dica: cuidado com as embalagens de agrotóxicos (veneno puro), com o resto da sua farmacinha caseira (sabia que existe, comprovadamente, uma poluição de medicamentos e que você pode estar tomando antibióticos sem querer da água da torneira de casa?), e com tudo aquilo que você anda descartando sem dó.

Em tempo: além da pergunta que os fabricantes de materiais reciclados não costumam responder, há também muitas outras que mereciam uma resposta, mas, como o espaço é exíguo, ficamos apenas com três:

1) Com os produtos transgênicos, as empresas de biotecnologia (irmãs siamesas das de agrotóxicos) estão vendendo mais ou menos veneno? Não é esse o argumento: mais sementes transgênicas, menos agrotóxicos? Será que elas, generosamente, estão abrindo mão de seu lucro fantástico com pesticidas, herbicidas etc, os produtos que na verdade as sustentam? Alguém por aí tem a chave para abrir esta caixa preta? Quem vende soja transgênica está vendendo mais ou menos glifosato?

2) Quanto de dinheiro as montadoras e os laboratórios estão remetendo para as suas matrizes? Qual porcentagem destes 18 bilhões de remessas que o Governo acaba de revelar tem a ver com as fabricantes de automóveis e de medicamentos? É para lá que anda escapando o dinheiro dos empréstimos do BNDES? Que destino vamos dar a estes milhões de carros novos que estão sendo colocados no mercado? Será que vamos ter que importar pneus usados para dar conta de tanto automóvel? E vamos continuar até quando fazendo “recall” de remédios perigosos (Vioxx, Prexige etc)? Não precisamos também reciclar as nossas políticas industriais e os nossos sistemas de vigilância?

3) Alguém tem uma idéia brilhante para reciclar o lixo atômico que Angra 3 e as outras usinas nucleares vão despejar por aqui? Você tem alguma sugestão sobre o local onde a Termonuclear poderia enfiá-lo? Pera aí: se você for malcriado, me tira fora dessa. Não vale, fui eu que fiz a pergunta.

Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.
 

  
             
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